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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

EXPIAÇÃO E PROVA NO ENSINO DOS ESPÍRITOS



O que é o Espiritismo?

Qual classificação o Espírita adotará?


Allan Kardec classifica a Doutrina Espírita como uma ciência da observação. Parte do movimento espírita brasileiro adota tese de que se trata de uma religião. E, uma parte desta parte, fundamenta o aspecto religioso numa interpretação livre de um artigo de Kardec sobre a questão na Revista Espírita de Dezembro de 1868. Outros também usam a opinião do Espírito Emmanuel na obra O Consolador.

No entanto, uma concepção contrária à classificação de Kardec implica na tensão permanente entre várias ideias acerca de temas doutrinários importantes. Por exemplo, começamos pela diferença clara entre o conceito de fé racional e fé religiosa.

No capítulo 19, item 7 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec traz o conceito de fé racional, que precisa ser lida conforme o preâmbulo da obra O Que é o Espiritismo onde há a definção de Espiritismo. Em 1868, na Revista Espírita de Dezembro, deixa claro porque o Espíritismo NÃO é uma religião.

Não admitindo o dogma da 'fé cega' e cultos de qualquer natureza, o Espiritismo não valida as práticas que se traduzem em verdadeiros cultos como se observa na atualidade de muitos grupos denominados espíritas. Para demonstrar as dificuldades que um concepção equivocada provoca trazemos uma tensão bastante comum: o livre-arbítrio preconizado na Doutrina Espírita e a ideia da "reencarnação compulsória".


Quanto ao livre-arbítrio, o Espiritismo preconiza que o ser humano possui um círculo onde pode se mover livremente. Esse movimento é limitado pelas Leis Naturais (Rev. Esp., PDF, FEB, 1866, pg. 214). No entanto, é preciso ter em conta a lei moral do progresso, que mostra que o ser humano é quem se coloca em condições de ampliar esse seu círculo de ação.

É importante recordar que, segundo o Espiritismo, o objetivo da encarnação é colocar o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação (Q. 132, LE). Durante esse processo, acertando e errando, o Espírito poderá ser tanto um Espírito de um assassino arrependido (Rev. Esp., Março de 1858) quanto o Espírito de endurecido de uma rainha (Rev. Esp., Março de 1858).

O certo é que há meios, conforme as Leis Naturais, para  provocar que o Espírito escolha uma existência que lhe servirá ao progresso. No processo de escolha poderá haver uma intervenção natural quando o Espírito, por inferioridade ou má vontade, está incapaz de compreender o que lhe será mais útil.

Veja que trata-se dos casos onde o Espírito ignora o objetivo preconizao da encarnação dos Espíritos (melhoramento). É que, muitos desconhecem o fato de que são as tribulações e as vicissitudes que despertam sua inteligência e provoca o seu avanço.

A encarnação (Q. 132, LE) constitui o meio adequado para o Espírito adquirir conhecimentos e progredir, e, também para reunir as condições necessárias que propiciam ampliar o leque de escolhas. Nessa situação o Espírito experimenta uma espécie de relativização do seu livre-arbítrio. 

Não por pena ou castigo, mas porque é impossível burlar a Lei Natural da reencarnação (Q. 262 e 262.a, LE). Os endurecidos e os ignorantes precisam de auxílio para fazer UMA ESCOLHA com conhecimento de causa (item 8, cap. 5, ESE). É um processo educativo. A escolha não deixa de ser feita pelo Espírito e não há suspensão do livre-arbítrio. Ele apenas recebe a ajuda de Espíritos mais experientes e, assim, adquira condições necessárias para fazer uma escolha com conhecimento de causa.

Chegamos à questão: não está aí o processo da reencarnação compulsória? Esse termo está presente em algumas obras mediúnicas. A ideia central por trás da compulsoriedade é que reencarnação serve para 'pagamento de débitos oriundos de vidas passadas'. Se foi mal é castigado com uma reencarnação rude e se foi bom a reencarnação é como uma recompensa. Isso é fruto daquela compreensão do Espiritismo como religião.

Tanto pior quando busca-se reconhecer um caráter/aspecto híbrido ao Espiritismo: ao mesmo tempo ciência e religião. É o que se percebe quando se verifica a explicação de que a compulsoriedade decorre da causa, que seria a ação do Espíritos, a qual resulta no efeito: a reação

Mas essa não é a tese espírita. O Espiritismo preconiza que o Espírito reencarna em um gênero de prova que lhe seja útil, sempre com conhecimento de causa. Quando não possui elementos para escolher é AUXILIADO nesse processo. Não é nada compulsório, uma vez que "Deus sabe esperar, não precipita a expiação" (Q. 262.a, LE). Na prática, os Espíritos reencarnam para aprender a fazer escolhas certas. No processo, erra bastante e aprende muito.

Pensando em como Allan Kardec classifica o Espiritismo (ciência ou religião) tem-se a premissa para julgar os fatos. Convidamos para avançar na reflexão e observar os apontamentos seguintes.

A construção teórica sobre a encarnação e as leis naturais no Espiritismo não reflete a ideia de que os Espíritos estão sujeitos a sofrer essa ou aquela situação reencarnatória como um castigo ou reprimenda (essa tese religiosa é totalmente refutada na Obra O Céu e o Inferno). Depreende-se que o Espírito é instruído a fazer uma escolha com conhecimento de causa, na modalidade colegiada, como fundamentado acima.

Isso somente ocorre quando o Espírito não reúne condições para fazer a melhor escolha, pois, em regra "sua atenção estando incessantemente voltada para as consequências desse mal, ele compreende melhor os inconvenientes do seu procedimento e é levado a corrigir" (As penas futuras segundo o Espiritismo, item 7, OCI).

A tensão provocada pela classificação atribuída ao espiritismo, se ciência ou religião, pode conduzir ao erro de se adotar a posição de um Espírito em detrimento de princípios doutrinários. É o caso de se pensar na compulsoriedade de uma reencarnação tendo como premissa uma dívida passada. Isso, não só relativiza o livre-arbítrio, mas o anula.

É que o Espiritismo se fundamenta num conjunto harmônico de princípios em que um não anula o outro. A reencarnação proporciona ao Espírito os meios para sua evolução, contínua e perpétua, o que ocorre nas sucessivas reencarnações, por meio das escolhas do seu lívre-arbítrio e numa variedade de habitações cósmicas.

O que fazer quando se está diante de uma informação diferente da tese Espírita? É necessário verificar se o Espírito que trata do assunto traz uma opinião pessoal ou não. Para tanto, Kardec criou e indicou um método de análise das comunicações quando estas se referirem à questões de interesse geral ou doutrinárias, conforme a figura a seguir:


O tema reencarnação compulsória está presente em obras do Espírito André Luiz. Sem faltar com respeito ao Espírito, mas em razão da argumentação que sustentamos nesse artigo, importa destacar que, segundo o Espírito Emmanuel  no prefácio da obra Os Mensageiros, há uma sugestão para receber as informações de André Luiz como opiniões pessoais. Emmanuel usa o exemplo de um chimpanzé guindado ao palácio, que fala sobre o palácio, as pessoas e os costumes para os outros chimpazés que ficaram na floresta. Suas informações serão fruto da sua compreensão de chimpanzé, sem qualquer salto evolutivo.

Para esses casos convem usar sempre o método de Kardec para conferir autoridade à doutrina espírita que, não sendo concepção puramente humana e nem transmitida por um único Espírito, carece de controle da sua universalidade. O controle universal do ensino dos Espíritos (O Evangelho Segundo o Espiritismo) é o meio pelo qual se observa a força do Espiritismo. Trata-se de uma maneira de afastar a imprudência de aceitar uma opinião pessoal.

O que tudo isso tem a ver com a definição de expiação e prova segundo o ensino dos Espíritos? A concepção que se faz do Espiritismo, se religião ou ciência, faz toda a diferença na compreesão dos institutos ora tratados. A aceitação cega sem aplicação do método de Kardec para informações provenientes do mundo espiritual está atrelada à essa concepção. Toda a inferência acima sobre a tensão entre livre-arbítrio e reencarnação compulsória nos conduz a esse tema. Vejamos!

Partindo da teoria espírita chega-se a um resultado racional, o que não é possivel a partir de uma concepção religiosa. Ainda que sob a argumentação de que a fé, agora, é racional. Pela concepção religiosa expiação e prova se tornam subproduto da lei de causa e efeito, que desagua noutra: a de ação e reação.

Diante da tensão, é necessário perguntar:
a. Há lei de causa e efeito no Espiritismo?
b. Nesse caso, os Espíritos são regidos por uma lei de karma ou destino?

Kardec define causa e efeito n'O Evangelho Segundo o Espiritismo como um axioma e não como uma lei (cap. 5, item). Um axioma é usado para explicar o que é indemonstrável, como DEUS e a CRIAÇÃO, por exemplo.

  • Sendo causa e efeito um axioma que explica o indemonstrável, não haverá presença de regularidade para o objeto que se quer explicar.
  • Se não é regular, não é lei. A lei é aquilo que define as relações constantes que existem entre fenômenos naturais. Lei se traduz em regra.

A evolução do Espírito está atrelada ao seu progresso intelecto-moral. A moral, objeto de estudo do Espiritismo, está muito bem definida pela Doutrina Espírita (Q. 629, LE). Em se tratando de moral, nada advém do mundo exterior, a não ser o conhecimento proveniente da relação que com ele se estabelece por meio dos sentidos físicos durante a encarnação.

É preciso considerar que, quanto às questões de moral, tudo se impõe ao Espírito por meio de sua razão, de sua consciência ou por determinadas condições ou circunstâncias. Os Espíritos, segundo o Espiritismo possuem liberdade de fazer as próprias escolhas. Nesse caso, a "causa e o efeito" só poderá ser consequência do uso do livre-arbítrio individual.

Indagamos: é regra que qualquer Espírito que faça a escolha 'a' obtenha o resultado 'b'? A resposta sensata, lógica e razoável é não.

Não se deve confundir a causa e efeito (axioma filosófico) com ação e reação (lei da física). O comportamento humano (agir conforme ou não com as leis da natureza) é resultado do conhecimento adquirido, de sua compreensão de bem e mal, das condições e circuntâncias que esteja diante, da consciência ou não dos atos segundo o conhecimento adquirido e da  sua compreensão deste.

Os Espíritos que procuram nova existência avaliam suas vidas anteriores, quais os erros cometidos e qual imperfeição é a causa dos seus sofrimentos. Estuda o que poderá lhe ajudar a não cometer essa ou aquela falta. Busca provas e expiações que acredita apropriadas ao seu adiantamento e se instrui junto a Espíritos que lhe sejam superiores (Q. 393, LE).

Há uma divisão entre prova e expiação? Segundo o Espiritismo não. Todos os problemas enfrentados na encarnação são oportunidades para corrigir erros passados, ao passo que são provas para o futuro. Tudo é aprendizado e não há uma regra absoluta para Espírito algum. Para induzir a uma possível identificação do gênero de existência precedente de um Espírito é mais seguro estudar suas tendências instintivas do aquilo que se julga ser a prova ou a expiação (Q. 399, LE).

Segundo anota Kardec o julgamento sobre o que fomos e o que fizemos está na esfera individual, isto é, um juízo do próprio Espírito encarnado (nota de Kardec à Q. 399). O que é util para o progresso do Espírito é o seu próprio estudo das imperfeições morais que precisa corrigir e não as físicas.

Por que o julgamento do outro é falho? Porque não há regras absolutas.

Há expiações que são frutos da existência atual que o Espírito experimenta. A ação humana tem como princípio o ato do dever. Trata-se da obrigação moral da criatura para consigo mesma primeiramente e, depois, para com os outros (O dever, Lázaro, ESE). O dever íntimo fica entregue ao livre-arbítrio e é regido pela consciência que, por vezes, é impotente diante das paixões. Ceder a elas não é nada anormal, mas parte do processo evolutivo.

A natureza moral do ato do dever exige que seja livre, consciente e racional da vontade. Essa atuação habitual se torna virtude e é esse o alvo que o Espírito busca atingir. Prova e expiação só podem resultar de escolhas livres do Espírito baseadas nos limites estabelecidos pelas Leis Naturais.

Expiação e prova são faces da mesma moeda. A primeira consequência de uma falta é reconhecê-la como tal. A partir daí o Espírito passa a desejar corrigir a imperfeição que lhe conduz a cometer a falta. Essa compreensão é fruto do estudo de si mesmo.

A expiação consiste em atravessar situações semelhantes a outras que já se experienciou, mas que sucumbiu ao erro. A prova está relacionada com o proveito que se almeja com o gênero escolhido, bem como da maneira como se suporta uma expiação.

Pode se afirmar que toda expiação é uma prova, mas, nem toda prova uma expiação. A causa dos males suportados pelo ser humano na terra está nele mesmo e resultam de suas imperfeições.

O caráter essencial da expiação reside na escolha livre do Espírito por uma existência que o auxilie a corrigir as imperfeições já reconhecidas, mas que ainda favorecem cometer erros.

O objetivo da expiação e da prova é o melhoramento do Espírito (Lei de Progresso). Para tanto, é preciso reconhecer o erro, arrepender, reparar e, então, expiar.

Se a forma de conceber a Doutrina dos Espíritos guardar relação com a concepção religiosa, prova e expiação guardará semelhança com castigo e recompensa. Com a ideia de céu e inferno. Porque as religiões compreendem um Deus antropomórfico que julga o indivíduo e lhe aplica, também, individualmente,  um castigo ou lhe dá uma recompensa. A moral, nesse caso é heterônoma. Dita-se um conjunto de regras que devem ser seguidas com a mediação de indivíduos que se tornam a voz do céu na Terra. Desta forma, nenhum mérito tem o Espírito, posto que está compelido por fatores exteriores e nunca movido pelo ato do dever livre, consciente e racional da vontade.

Se o Espiritismo for concebido como ciência, como preconiza Allan Kardec, prova e expiação assume o caráter pedagógico, de cunho individual, onde o ser, orientado pelas Leis Divinas, vai agindo, fazendo, não fazendo, tentando, errando e acertando, por meio de suas escolhas livres, que lhe proporcionará colher delas os seus frutos. A moral é autônoma. E a boa conduta é uma decisão individual do Espírito. Não há intermediário entre o indivíduo e Deus. Quando agir fazendo o bem, visando o bem de todos, foi movido por sua consciência em assim proceder. As regras que regem sua conduta são as Leis Divinas ou Naturais, mediadas pela compreensão que delas já atingiu.

Uberaba-MG, 05/10/2021.
Beto Ramos.

Fontes:
Kardec, Allan. Evangelho segundo o sspiritismo.
Kardec, Allan. O livro dos espíritos.
Kardec, Allan. O que é o espiritismo.
Kardec, Allan. O livro dos Médiuns.
Kardec, Allan. O céu e o inferno.
Kardec, Allan. Revista espírita.
Xavier, Francisco Cândido. Emmanuel. O consolador.
Xavier, Francisco Cândido. André Luiz. Missionários da Luz.
Xavier, Francisco Cândido. André Luiz. Nos Domínios da Mediunidade.
Xavier, Francisco Cândido. André Luiz. Ação e Reação.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

O MOVIMENTO POLÍTICO-SOCIAL L.G.B.T.Q.I.+ E O ESPIRITISMO

    

 

 

“Aqueles que retornam nem sempre são outros Espíritos, mas, frequentemente, os mesmos Espíritos, pensando e sentido de outra forma”.

(Kardec, A Gênese, Cap. 18, item 33 - 1868).

Já se ouviu e, também, se escreveu que o Espiritismo transcende a política. Que seu organizador não se envolveu com a mesma e que, por fim, se trata de um assunto proibido no meio. A priori, seria lícito perquirir: a referência à palavra 'política' alude a qual dos seus significados? Todos? Alguns?

No sentido figurado, usa-se o termo para designar a habilidade no relacionar-se com os outros, tendo em vista a obtenção de resultados desejados. Noutro campo, usando uma organização ou associação, busca-se exercer influência na opinião pública.

Em um belo texto assinado por Allan Kardec, cujo título é A Geração Nova, contido em A Gênese, capítulo 18, item 26 e seguintes, é possível depreender que "para que os seres humanos sejam felizes sobre a Terra é preciso que ela seja povoada apenas por bons Espíritos, encarnados e desencarnados, que só queiram o bem". Justifica essa afirmação o fato de que habitantes do planeta que fazem o mal pelo mal atraem discórdia e confusão, constituindo-se em obstáculos para o progresso.

Segundo aquele texto, na época atual o planeta é palco do encontro entre elementos de duas gerações que se embaralham. Cada qual se distingue por características que lhes são próprias. Suas ideias e pontos de vistas estão em oposição, resultado da natureza das disposições morais, sobretudo as intuitivas e inatas, o que facilita distinguir à qual das duas pertence cada indivíduo.

A nova geração pertence ao número dos que fundarão uma sociedade na era do progresso moral. O que justifica afirmar que se trata da presença do incontestável grau de adiantamento anterior. Não se trata de Espíritos superiores, mas, daqueles que progrediram e estão dispostos a assimilar todas as ideias progressivas. Estes indivíduos estão aptos a ser a mola propulsora do movimento regenerador.

Voltando, pois, ao campo da política, é possível perceber que o conteúdo do texto mencionado nos conduz àquele sentido da expressão 'política' que designa a habilidade de relacionar-se com os outros, tendo em vista a obtenção de resultados desejados. O encontro entre gerações tem a finalidade de proporcionar aos retardatários a oportunidade de se nutrirem das ideias progressivas.

Quem são os indivíduos que prejudicam a marcha do progresso? Os atrasados são os revoltados contra Deus, que recusam a reconhecer qualquer poder superior à humanidade, cuja propensão instintiva é às paixões degradantes, aos sentimentos antifraternos do egoísmo, do orgulho, do apego por tudo que seja material, isto é, do conjunto de vícios dos quais o indivíduo precisa se depurar.

Assim, é necessário que o verdadeiro Espírita submeta ao crivo da razão toda e qualquer questão que envolva o princípio espírita da evolução contínua e perpétua do Espírito. Segundo o Livro dos Espíritos, durante a encarnação, os Espíritos são submetidos à Lei Moral da Vida em Sociedade.

Pela harmonia do ensino dos Espíritos admitimos que o aprendizado mais importante da vida em sociedade é que os seres humanos se entendam (Q. 812.a), o que irá ocorrer quando praticarem a lei de justiça. Importante notar o aspecto político contido na resposta à questão seguinte (Q. 813):

"A sociedade é a responsável pelas privações e misérias experimentadas por seus componentes, uma vez que é seu dever velar pela educação moral de seus membros, a fim de que o critério de julgamento das pessoas não seja falseado e que possa aninquilar toda e qualquer tendência perniciosa (adaptado)".

Falamos, pois, de educação moral como responsabilidade social. Eis que, então, pedimos venia para algo refletir sobre o movimento político-social LGBTQIA+ e o espiritismo. Qual é a contribuição da Doutrina Espírita relacionado a esse tema? Existem informações relevantes para se compartilhar com o movimento espírita? Nossa resposta é afirmativa.

Primeiramente, é preciso definir moral segundo o espiritismo. Trata-se da regra da boa conduta, da distinção entre o bem e o mal, na observação da lei de Deus. Mas, quem define não pode complicar e, nesse sentido, vamos para a definição de boa conduta. Conduzir-se bem é agir, fazendo tudo com objetivo de promover o bem para o bem de todos. É nisso e não em outra coisa que consiste observar a Lei de Deus (Q. 629, O Livro dos Espíritos).

Observamos aqui que não há inclusão de outro critério para a definição da moral que não o acima descrito. O bem é tudo que está de acordo com as Leis Divinas e o mal é tudo o que dela se afasta. Solicitamos que o (a) leitor (a) afaste todo preconceito quanto a análise do que é bem e mal.

É sempre racional promover um raciocínio considerando o conjunto de informações e não aspectos isolados para sustentar uma ideia preconcebida. Vale a pena recordar que a finalidade da encarção dos Espíritos é chegar à perfeição (Q. 132, OLE).

Nesse processo o Espírito precisa experimentar toda situação que lhe proporcione adquirir conhecimento. Para enfrentar esse aprendizado é necessário encarnar em corpos físicos e, por meio deles, cumprir daquele ponto de vista, o que foi desinado para o seu progresso.

Partimos, assim, da compreensão de que a experiência nos corpos físicos proprociona evolução para o Espírito. Chegamos no ponto, então, de conciliar as informações, o que faremos resumidamente:

  1. O Espírito reencarna e toma um corpo físico para, daquele ponto de vista, adquir conhecimentos e progredir;
  2. Sujeito às influências do meio e vivendo em sociedade, cabe à sociedade o dever de proporcionar educação moral para o Espírito com o objetivo de dotá-lo das informações necessárias para realizar julgamentos com conhecimento de causa e não se desviar do objetivo: progresso;
  3. A educação moral consiste em lhe proporcionar condições para distinguir o bem e o mal e para se conduzir fazendo o bem que resulte no bem geral, ocasião em que cumpre as Leis Divinas;

Sabendo que o Espírito toma um corpo físico em cada reencarnação para beneficiar-se a si mesmo com o progresso e para fazer o bem para a coletividade, percebemos certo mal-estar em indivíduos que compõem o movimento espírita quanto à pessoas que pertencem à comunidade LGBTQIA+.

Vamos, suscintamente e sem nos arvorar a 'doutores da lei' trazer algumas informações sobre esse movimento político-social. LGBTQIA+ é o movimento político e social que defende a diversidade e busca representatividade e reconhecimento de direitos para os indivíduos que o compõem. Entenda o que significa cada letra da sigla que designa esse movimento:

L = Lésbicas: indica mulheres que sentem atração afetiva/sexual por outras mulheres.

G = Gays: indica homens que sentem atração afetiva/sexual por outros homens.

B = Bissexuais: diz respeito a homens e mulheres que sentem atração afetivo/sexual tanto por outros homens quanto por outras mulheres.

T = Transexuais: a transexualidade não se relaciona com a orientação sexual, mas se refere à identidade de gênero. Dessa forma, corresponde às pessoas que não se identificam com o gênero atribuído em seu nascimento. As travestis também são incluídas neste grupo. Porém, apesar de se identificarem com a identidade feminina constituem um terceiro gênero.

Q = Queer: refere-se a pessoas que transitam entre as noções de gênero, onde a orientação sexual e identidade de gênero não resultam da funcionalidade biológica, mas de uma construção social.

I = Intersexo: trata do indivíduo que está entre o feminino e o masculino. Nesse caso suas combinações biológicas e desenvolvimento corporal (cromossomos, genitais, hormônios, etc), não se enquadram na norma binária (masculino ou feminino).

Assexual: designam os que não sentem atração sexual por outras pessoas, independente do gênero. Se apresenta em diferentes níveis e é comum que não vejam as relações sexuais como prioridade.

+ : O + é utilizado para incluir outros grupos e variações de sexualidade e gênero.

O pensamento fundante do movimento político-social LGBTQIA+ é que suas pautas sejam respeitadas pela sociedade, pois, cada grupo ou indivíduo que o compõe sofre diferentes tipos de violência por não se adequar ao que foi objeto de normatização como "normal" para a sociedade. Porém, será que há um conceito do que seja normal, ou um preconceito com o que não se compreende e que se julga anormal? Muitas coisas são anormais apenas em aparência, pois, os que julgam não possuem a inteligência perfeita daquilo que sobre o que emite juízo.

NIETZCHE (2004, pg. 19) afirmou que "o juízo 'bom' não provem daqueles aos quais se faz o 'bem'. Foram os 'bons' mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, vulgar e plebreu. Desse pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores que lhes importava a utilidade".

Vimos, portanto, que todo aquele que se refera ao vocábulo 'deficiência de caráter' está impregnado por toda uma construção e influência de costume, cultura, hábitos e tradições daqueles que, julgaram o que consideravam bom ou ruim. O problema é que usaram a si mesmo como régua. Em suma, pessoas pertencentes à nobreza denominaram os seus atos como 'atos de nobreza', 'atos nobres', que se tornou sinônimo de 'bom'. A partir disto se construíu o 'conjunto de valores morais da sociedade', que foram tomados como 'valores morais da socidade'.

Destarte, o que a humanidade atribui valor como algo bom ou superior ao que denomina mau, traz em si a promoção do foi julgado útil e que exerceu ou exerce influência no ser humano. Mas, a verdade é que o valor desses valores não é questionado de modo crítico. Ou seja, o que consideramos bom é realmente bom ou não passa de conveções utilitárias?

Recordamos o dever da sociedade segundo O Livro dos Espíritos no que respeita à educação moral de todos os indivíduos reencarnados. Partiremos da seguinte premissa: Espírito tem sexo? Os Espíritos não tem sexo porque não se reproduzem, são criados por Deus. A reprodução ocorre entre as espécies através do macho e da fêmea (Sanson, Espírito Feliz, O Céu e o Inferno, cap. 1).

Os Espíritos, para se fazerem reconhecer nas comunicações, se apresentam sob a forma que os conhecemos em vida objetivando não causar perturbação. Essas características não são perpétuas, se apagam pouco a pouco quando, então, subsistem os caracteres essencialmente morais. Esses caracteres materiais (masculino e feminino) são menos persistentes quanto mais desmaterializados (desapegados) os Espíritos, isto é, quanto mais elevados na hierarquia dos seres. (Rev. Espírita, Junho de 1863, Considerações sobre o Espírito batedor de Carcassone).

Quanto mais o pensamento desprende da matéria, mais essas características são menos pronunciadas. Além disto, após a morte, quanto mais inferior é o Espírito, mais apresentará os mesmos gostos e inclinações que possuia quando vivo (Rev. Espírita, Junho de 1863, Considerações sobre o Espírito batedor de Carcassone).

As almas ou Espíritos não possuindo sexo, as afeições que os unem nada tem de carnal, portanto, são mais duradouras, porque o fundamento que os une é a simpatia real, não aquelas atrações puramente carnais subordinadas às vicissitudes da matéria. (Rev. Espírita, Janeiro de 1866, As Mulheres tem Alma).

O corpo físico é instrumento para que o Espírito mantenha contato com o mundo físico e adquira o progresso possível no mundo que habita. Ali realiza atividades que o auxilia no avanço intelectual e moral. E, a cada encarnação o Espírito chega mais desenvolvido, com novas ideias e conhecimentos adquiridos nas existências anteriores (Rev. Espírita, Janeiro de 1866, As Mulheres tem Alma).

Os sexos só existem no organismo para fins de reprodução dos seres. Os sexos seriam inuteis no mundo espiritual, pois, os Espíritos não se reproduzem. Portanto, é para adquirir conhecimentos e progredir que os Espíritos encarnam nos diferentes sexos. O que foi homem pode renascer mulher e vice-versa. (Rev. Espírita, Janeiro de 1866, As Mulheres tem Alma).

O objetivo é realizar os deveres (aptidões) em cada uma dessas posições e aproveitar todo o conhecimento que a prova permitir. O Espírito encarnado sofre a influência do organismo (habitos condicionados, repetidos) e, assim, o seu caráter se modifica conforme as circunstâncias, pois, ele não resiste às necessidades e exigências orgânicas. Esta influência não se apaga imediatamente após a morte (Rev. Espírita, Janeiro de 1866, As Mulheres tem Alma).

Eis aqui um dos pontos capitais para a prova de que o preconceito com as pessoas que constituem a comunidade LGBTQIA+ não se sustentam e é a demonstração patente de que os preconceituosos são Espíritos inferiores:

O Espírito não perde instantaneamente os gostos e hábitos terrenos. O Espírito que percorreu uma série de existências no mesmo sexo conservará no estado de Espírito o caráter de homem ou de mulher, cuja marca fica impressionada em sua mente pelos sentidos. Chegado a certo grau de adiantamento e desmaterialização é que a influência da matéria se apaga completamente, inclusive o caráter dos sexos. (Rev. Espírita, Janeiro de 1866, As Mulheres tem Alma).

A influência da vida corporal repercute na vida espiritual e vice-versa. Portanto, em nova encarnação o Espírito trará o caráter e inclinações que tinha como Espírito. Ao mudar de sexo, sob essa impressão e em sua nova encarnação poderá conservar gostos, inclinações e caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim, se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens ou mulheres (Rev. Espírita, Janeiro de 1866, As Mulheres tem Alma).

Provando que não há Espíritos homens e Espíritos mulheres, que todos tem a mesma essência, a mesma origem e o mesmo destino, [o Espiritismo] consagra a igualdade de direitos. A grande Lei da Reencarnação vem, além disso, sancionar este princípio - Observação de Allan Kardec (Revista Espírita, Abril de 1868, Dissertações Espíritas, Instrução das Mulheres).

Vimos aqui que, ao menos em meio Espírita, não se justifica o preconceito com indivíduos que reencarnaram e fazem parte do movimento político-social LGBTQIA+. Ad primus, porque quem for preconceituoso nesse sentido não é um verdadeiro Espírita. Secundum, desconhece profundamente o Ensino dos Espíritos, pois, sexo é só um ponto dos vários que enfrentamos na senda evolutiva do Espírito.

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Uberaba-MG, 01 de Outubro de 2021.
Beto Ramos

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

ALLAN KARDEC ERA RACISTA?

 

"Acusar Allan Kardec de racista é, ou falta de conhecimento, ou leviandade. Talvez, as duas coisas".


Mais comum do que deveria é o indivíduo fazer a leitura de qualquer escrito e partir para o ataque. Certamente, ao ler a afirmação acima, se o (a) leitor (a) tiver uma ideia formada sobre o assunto, possivelmente já julgou esse escriba.

Antes, então, ofereça o benefício da dúvida, e busque tirar conclusões após receber o conjunto de informações que passamos a compartilhar a partir de agora.

Por ocasião do ano de 1862, Allan Kardec fez publicar na Revista Espírita do mês de Abril um artigo trazendo o título: frenologia espiritualista e espírita - perfectibilidade da raça negra.

Uma longa elaboração foi feita por seu autor. Mas, o furor manifesto ocorre em razão do título e, ao depois, pelo conteúdo do artigo. É que, novamente, mais comum do que se deveria, busca-se o isolamento de parte do texto com o qual se filia ou se refuta. No caso daquele artigo, o objetivo dos críticos é atacar o seu autor sem, no entanto, considerar o que segue:

1. Quem é o autor do artigo?

2. Qual o tema central?

3. Por que escreveu?

4. Qual era o contexto em que o artigo foi escrito?

5. Qual o público-alvo do artigo?

6. Quando escreveu ou publicou?

7. Onde publicou?

8. Quais áreas do conhecimentos são necessárias para analisar o artigo?

9. Quanto conheço daquela época, do ponto de vista histórico?

10. Os meus conceitos ou preconceitos prejudicam uma análise racional do artigo?

Começando pelo título, Kardec refere-se a quatro pontos fundamentais, a saber:

a) Frenologia;

b) Espiritualismo;

c) Espiritismo;

d) Expressão oriunda de dogma católico.

 
(vídeo com apresentação dos slides que estão disponíveis para download na descrição do mesmo na página do YouTube)

Quanto à frenologia, cabe informar que foi criada em 1796 por Frans J. Gall, exercendo certa influência na psiquiatria e psicologia entre os anos 1810 e 1840. Seu rigor metodológico era questionável, considerando-se uma pseudociência pelos autores do século 19.

Essa pseudociência defendia que a forma e protuberâncias do crânio são indicativas de faculdades e aptidões mentais de uma pessoa. Kardec usa-a apenas como um ponto de partida para sua argumentação.

Fazendo uma crítica a essa 'teoria' Kardec vai dizer que "enganar-se-ia redondamente quem acreditasse poder deduzir o caráter absoluto de uma pessoa pela simples inspeção das saliências do crânio". É que essa foi uma das conclusões da frenologia sobre o volume do órgão e do desenvolvimento da faculdade investigada.

A referência de Kardec à frenologia se dá em razão de que, naquela época, dois sistemas radicalmente opostos eram apresentados por frenologistas materialistas e frenologistas espiritualistas.

Os primeiros defendiam uma doutrina monstruosa de que o cérebro secretava pensamentos e esses influenciavam as diversas aptidões do ser humano. Para os espiritualistas, ao contrário, o pensamento é um atributo da alma, não do cérebro, seguindo-se daí que o desenvolvimento de um órgão é efeito, não a causa. Ninguém é apto porque possui um órgão para determinada aptidão; Ele possui o orgão adequado para sua aptidão porque é apto. Duas coisas diferentes.

Nesse ponto, Kardec faz referência de importância capital. Apresenta outra crítica à teoria frenológica. Recordamos que o fato de se acreditar em algo além da matéria não torna o indivíduo espírita. É a compreensão dos princípios espíritas que conduzem a isso. Diante disso, há erro no pensamento do frenologista espiritualista quanto à questão das aptidões.

Na frenologia o cérebro conduz o desenvolvimento das aptidões. Os frenologistas espiritualistas postulavam que a alma comanda o pensamento que desenvolve os órgãos de manifestação. Então, sutilmente, Kardec diz que é preciso explicar porque alguém possui certa aptidão e o outro, educado nas mesmas condições, não a possui, o que ocorre com todas as aptidões.

Insere aí a teoria espírita que explica a criação da alma em tempo diverso da criação do corpo e, para tanto, faz remissão às figuras do sábio do instituto e a do selvagem. Esclarece que pessoas nascidas em meios ingratos e refratários se tornam gênios, enquanto outros que recebem a Ciência desde a infância são imbecis. Trata dos instintivamente bons ou maus, inteligentes ou estúpidos.

A solução possível, afirma Kardec, é a preexistência da alma, sua anterioridade ao nascimento do corpo, ao desenvolvimento adquirido conforme o tempo vivido e as várias migrações percorridas. Destarte, as faculdades inatas tem sua fonte no Espírito, que afeta os órgãos de manifestação, provocando seu desenvolvimento segundo as leis biológicas.

Parece, a essa altura, que o tema levantado por Kardec ficou lateral. Discordamos. Primeiro, porque, de partida, fica consignado no artigo que o assunto referente à perfectibilidade racial é do interesse da humanidade e requer um exame mais cuidadoso e não uma conslusão leviana.

O certo é que Kardec afasta refutações materialistas e espiritualistas e explica o princípio espírita da anterioridade da alma e, claro, a própria reencarnação. O estudante do espiritismo aprende que o ensino dos Espíritos superiores estabelecem os fundamentos de um filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema. Portanto, no tempo de Kardec, o tema não recebia óbice à sua discussão.

De fato, Kardec dialoga no seu artigo com uma teoria vigente em sua época - um dogma religioso. O tema de tal gravidade afetava interesses econômicos, sociais e humanitários. No preâmbulo do artigo Kardec questinou: deve-se deixar o assunto sem discussão? O certo é que ele enfrenta o debate, atento e sem leviandade.

É preciso não perder de vista a transcrição abaixo do artigo onde Kardec dialoga com a teoria da criação da alma ao mesmo tempo que o corpo. Veja que ele a 'admite' para argumentar. Isto é uma estratégia para desconstrução de teorias que possuem inconsistências internas e é isso que Kardec faz durante o desenvolvimento das ideias para apresentar a ideia fundamental do Espiritismo:

"Com efeito, se a alma fosse criada ao mesmo tempo que o corpo, a do sábio do Instituto seria tão nova quanto a do selvagem. Então, por que há na Terra selvagens e membros do Instituto? Direis que depende do meio em que vivem. Seja". [...] (grifo nosso).

A doutrina espírita possui, como essencial, o caráter progressivo. Tudo o que se apreende carece amadurecimento. Sobre esse tema, perfectibilidade das raças, Kardec trata no capítulo 7 da obra O Céu e o Inferno, que entre outras coisas esclarece: 'A perfeição corporal de raças adiantadas é consequência do trabalho do Espírito; Não há criações distintas".

Para uma análise imparcial do artigo de Kardec é preciso:

I. Considerar a natureza do Espiritismo: a doutrina promove um diálogo entre a cultura humana e a doutrina dos Espíritos.
II. Identificar o tema central do artigo: a opinião supersticiosa e de origem religiosa de que a raça negra não é perfectível porque Deus a criou para figurar numa eterna inferioridade.

Pela importância atribuída por Kardec ao tema, está implícito que essa teoria analisada:
a) Visava explicar a exploração dos negros por meio da escravidão;
b) Ao mesmo tempo em que fazia nascer o preconceito ao lado do interesse.

Kardec se preocupou e não deixou, simplesmente, tudo como estava. Enfrentou, e discutiu o tema com os elementos que possuia. No artigo Kardec opõe o pensamento filosófico ao preconceito de natureza religiosa sobre o negro. Esse tipo de discussão tornaria a ocorrer mais tarde (RE, 1866, sobre a justiça divina na criação de homens selvagens).

Ora, o preconceito existia na sociedade. Certamente havia uma origem. Assentava-se sobre o dogma religioso que não admitia a preexistência da alma, uma vez que Deus, segundo a crença dominante, criava uma alma nova para cada novo ser que nascia.

Não se pode esquecer que na filosofia de Rousseau, conhecida e estudada por Allan Kardec, era preconizado que o que nos diferencia dos animais é a perfectibilidade da alma.

Outra questão de suma importância é que, ao tempo de Kardec, havia, além do conceito das almas criadas iguais, outra que era admitida pela ciência. Tratava-se da divisão da espécie humana em raças (Georges Cuvier, 1769/1832). A teoria, reportando a diferenças geográficas e faciais, dividia a espécie humana em: caucasiana, etiópica e mongólica. Nessa teoria, os etiópicos eram considerados primitivos, enquanto os caucásicos uma raça desenvolvida.

Importa ter em mente a lei moral do progresso. A base da fé racional em Allan Kardec consistia na afirmação de que onde a ciência avançar, o Espiritismo fica com a ciência. Tratava-se de um método de conciliação para não cair no dogmatismo da fé cega. Assim, quando as pesquisas da ciência avançarem, o Espiritismo não a tendo negado, estará em acordo com o seu progresso.

Segundo SUSSMAN (2014, p. 198), aqueles que tinham uma visão poligenista da origem humana acreditavam na criação divina de todas as formas humanas, mas como espécies diferenciadas, e que Adão e Eva eram antecessores apenas dos povos europeus e judeus, mas não dos povos considerados selvagens.

Portanto, possuímos agora um conjunto de informações não presentes no artigo de Allan Kardec, mas que fazia parte da discussão implementada no mesmo. Conhecendo o contexto, é possível ter uma visão mais justa sobre a elaboração contida na publicação.

A construção do pensamento de Kardec considerava a ciência da época, refutava uma pseudociência, o materialismo e o erro dos espiritualistas. Destarte, os negros eram considerados selvagens no tempo de Kardec. Em razão dos fatos da ciência positiva, considerou sua organização física inferior. Sua proposta, consoante o que havia aprendido na ciência espírita, era que como Espíritos estavam na infância espiritual, nas primeiras reencarnações. Como todo Espírito iriam adquirir conhecimentos e evoluir.

Fazemos, agora, um convite à reflexão. Houve erro na conclusão entabulada por Kardec? Podemos responder positivamente. O erro está em Kardec e na Doutrina Espírita? A resposta é negativa, pois, seu ponto de partida foi a construção teórico-científica da época. Mas, a ciência avançou e aquela construção usada no artigo de Kardec estava equivocada. Atualmente, a ciência afirma que não há diferença racial entre os seres humanos e que a capacidade cerebral não se diferencia.

Importa, ainda, salientar que, conforme FIGUEIREDO (2016, p. 365), sobre a teoria expendida por Kardec no artigo os Espíritos nada disseram. Veremos a seguir que a Doutrina dos Espíritos resolvia a questão. Era necessário que houvesse avançao no campo da ciência tradicional.

No entanto, existem diferenças. São as características como a cor da pele causada por questões climáticas, diferenças étnicas e diferenças de origem cultural.

Finalmente, é preciso compreender o artigo e sua publicação na Revista Espírita do século 19, ocasião em que se formulava o corpo de doutrina do Espiritismo.

A Revista Espírita era usada para testar hipóteses, teorias e ensaios. Um terreno de estudo e de elaboração dos princípios, cujos artigos se destinavam a sondar a opinião humana e dos espíritos. Era o local para dar opinião sobre temas de interesse, considerando que a doutrina espírita só adotava uma opinião se fosse justa e rejeitava se fosse falsa (RE, 1868, p. 134). Tudo que não fosse confirmado ou contraditado ficava no campo da opinião pessoal.

O Espiritismo tem natureza de revelação porque os fatos que não são desmentidos possuem caráter de verdade. Essa natureza se revelou no artigo de Kardec, pois a ciência avançou e o princípio fundamental da doutrina se manteve de pé: a evolução contínua e perpétua do espírito.

Para o espiritismo a natureza humana é espiritual, o que supera particularidades das mais diferentes encarnações, seja negro, índio, homem ou mulher. Segundo o espiritismo, todos nós vivemos ou viveremos todas elas.

No ano de 1867, na mesma Revista Espírita, Kardec vai afirmar: "Muito foi dito e escrito contra a escravidão e o preconceito da cor. Tudo quanto disseram é justo e moral; mas não passava de uma tese filosófica. A lei da pluralidade das existências e da reencarnação vem a isto acrescentar a irrefutável sanção de uma lei da Natureza, que consagrava a fraternidade de todos os homens. Tom, o escravo, nascido e aclamado na América, é um protesto vivo contra os preconceitos ainda reinantes nesse país".

Agora, estudando profunda e seriamente a Doutrina dos Espíritos, convido a pensarmos a situação seguinte. Suponha que, evocados os Espíritos, pudéssemos fazer-lhes as questões seguintes. Pelo conjunto da obra, arriscamos a pensar nas prováveis respostas:

1. Os Espíritos tem cor?

R. Não como entendeis. Porque, tendo o ser humano surgido em muitos pontos do planeta, suas diferenças físicas ocorreram em razão de clima, vida e costumes, bem como, ao dispersarem-se pelo globo, se uniram e deram origem a novos tipos.

2. O Espírito que animou um ser humano etíope ou africano poderia animar um caucasiano ou mongólico e vice-versa?

R. Sim, pois são os mesmos Espíritos que animam todos os seres humanos, independente de etnia, credo ou cor. A natureza da humanidade é espiritual e não material.

3. Quando somos Espíritos, preferimos encarnar nessa ou naquela cor?

R. Isso pouco importa; depende das provas que o Espírito escolhe para evoluir e para corrigir imperfeições de seu caráter, uma vez que toda imperfeição, inerente ao Espírito, é de natureza moral.

De concreto, Kardec organizou o item 4 do Livro Primeiro, capítulo 3, Criação, cujo título é Diversidade das Raças Humanas. Nesse conjunto de questões pode-se testificar que, no silêncio dos Espíritos e do público da Revista Espírita quanto ao tema proposto, consignou-se o ensino dos Espíritos advindos de muitos pontos do planeta, em razão da convergência da ampla maioria. Ali ficou patente que NÃO HÁ diferenças e TODOS os seres humanos SÃO IRMÃOS EM DEUS, pois, SÃO ANIMADOS PELO ESPÍRITO E TENDEM AO MESMO OBJETIVO.

Em O Livro dos Espíritos, nos deparamos com a questão 863, donde se conclui que são os seres humanos os responsáveis pelos costumes sociais e não Deus. Todos os seres humanos deveriam se submeter às Leis Naturais (ou Divinas) e não à opiniões alheias para definir as próprias escolhas.

A humanidade ainda age pela conveniência, mas, isso é um ato livre. Qualquer um pode fazer diferente. Sempre que necessário é preciso afrontar a opinião errônea procedente de costumes embasados em preconceitos. O equilíbrio deve ser o alvo da humanidade. Todos os que não sacrificam a própria vaidade, terão contas a acertar com o tribunal de sua consciência.

Os Espíritos nos trouxeram um conjunto de conhecimentos que derivou na Lei Moral de Igualdade, questões 803 e seguintes de O Livro dos Espíritos. Todos tendendo para o mesmo fim, submetidos às mesmas leis naturais, sujeitos às mesmas dores, experimentando experiências em classes sociais, ninguém recebeu superioridade natural em detrimento de outro, nem pelo nascimento, nem pela morte. Todos são guais perante Deus.

Arremata o pensamento que buscamos elaborar, porquanto a questão da escravidão nos conduz aos preconceitos de todos os matizes, e, sem dúvida, à questão do trabalho, a seguinte informação contida na Questão 812 da obra comentada: 'o bem-estar é relativo e cada um poderia gozá-lo, se todos se entendessem bem. Porque o verdadeiro bem-estar consiste no emprego do tempo de acordo com a vontade, e não em trabalhos pelos quais não se tem nenhum gosto. Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. O equilíbrio existe em tudo, o ser humano é quem o perturba'.

Essas, portanto, são nossas considerações sobre a imperfeição moral atribuída por muitos a Allan Kardec em relação ao seu artigo publicado no periódico espírita do século 19, quando adjetivado de racista.

Uberaba-MG, 29 de Setembro de 2021.
Beto Ramos.

BIBLIOGRAFIA:
FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Revolução Espírita - A teoria esquecida de Allan Kardec. São Paulo: MAAT, 2016.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.
KARDEC, Allan. Revistas Espíritas.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno.
KARDEC, Allan. A Gênese.
- Para informações sobre, acesse: FRENOLOGIA .
- Para informações sobre a visão poligenista da criação - humana, acesse: POILIGENISTA e POLIGENISMO .
- Para acesso a informações sobre GEORGES CUVIER E O SEU RACISMO .

MATERIAL DE APOIO:
Acesse aqui para baixar os SLIDES .

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

COMO KARDEC ESTUDOU O ESPIRITISMO

Ao menos de modo mais patente, a partir do ano de 1848, desde Hydesville, fenômenos aparentemente do 'outro mundo' movimentaram Estados Unidos e Europa. Três mulheres, as irmãs Katherine Fox, Leah Fox e Margaret Fox chamaram a atenção do mundo.

Em meados da década de 50 do século 19, um influente educador, autor e tradutor francês, sob o pseudônimo de Allan Kardec, notabilizou-se por se ocupar de fenômenos semelhantes aos que ocorriam com as irmãs Fox.


Longe de ser para ele um trivial entretenimento, tornou-se objeto de profundos estudos, até surgir o que foi conceituado como Ciência Filosófico-Espírita. Esse meticuloso pesquisador constatou que os fenômenos aconteciam em vários pontos do planeta Terra, de modo simultâneo. No fundo descobriu-se que por trás dos fenômenos havia seres inteligentes, cujo objetivo era se comunicar. Eles denominaram a si mesmos como Espíritos.

Para manter o intercâmbio os Espíritos se valiam de certas pessoas que eram usadas nas comunicações em razão de faculdades especiais. Foram chamadas médiuns. Ao analisar as numerosas comunicações percebeu-se uma variedade de informações, individualmente incompletas, mas ao observá-las no conjunto havia complementaridade. Parecia que havia certa divisão de assuntos e temas. Kardec, então, passou a estudá-las, observar certos aspectos.

Sabendo da manifestação simultânea dos Espíritos por todo o Globo terrestre, Kardec criou um Jornal, que ficou conhecido como Revista Espírita. Nela passou a publicar todas as correspondências que recebia, testando teorias, apresentando ensaios, artigos, relatos, opiniões, enfim, transformou-a em uma tribuna livre. Para análise do conteúdo das mensagens lançou mão de um método:
  • Agrupar os fatos dispersos;
  • Verificar sua correlação;
  • Reunir os documentos diversos sobre os temas e assuntos;
  • Reunir as instruções dos Espíritos contidas nas comunicações que surgiam em diferentes pontos do planeta;
  • Agrupar por assuntos;
  • Comparação; e,
  • Análise.

Nada era aceito cegamente, como também eram afastadas as ideias preconcebidas e os prejuízos de seita. Havia, portanto, uma disposição de Kardec para aceitar as evidências da verdade, mesmo contrárias às suas opiniões pessoais. Esse trabalho exigia um critério; era necessário avaliar, segundo o esclarecimento maior ou menor dos Espíritos comunicantes, qual o grau de confiança que poderiam receber.

Para isso Kardec:
1. Diferenciava as ideias sistemáticas, individuais e isoladas daquelas que recebiam a sanção do ensinamento universal dos Espíritos;
2. Distinguia as utopias das ideias práticas;
3. Separava todas as informações dos Espíritos que eram desmentidas pelos dados da Ciência positiva e da lógica;
4. Fazia uso dos erros, das informações trazidas pelos Espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, objetivando conhecer o estado do mundo invisível e formar um todo homogêneo.

Uma vez que o ensino dos Espíritos não foi dado de maneira completa em nenhuma parte, em razão de abarcarem grande quantidade de observações e assuntos diversos, requerendo conhecimentos e aptidões mediúnicas especiais, era impossível que estivessem reunidos em um mesmo ponto.

Tratava-se de um ensino coletivo e não individual. Segundo Kardec, os Espíritos dividiram o trabalho e distribuíram os temas de estudo e observação.

O conteúdo do ensino dos Espíritos era transmitido parcialmente em diversos lugares e por uma multidão de intermediários. Surpreendentemente, cada lugar apresentava o complemento daquilo que era obtido em outro e, a partir daí, organizados e coordenados, obtinha-se o conjunto. Esse conjunto é o que constitui a Doutrina Espírita.

Ao redor de Allan Kardec formou-se, pelo curso natural das coisas e das circunstâncias, um centro de elaboração. Tudo passava por um meticuloso controle e, com exame minucioso, tudo era discutido. A lógica era rigorosa. Nada que ferisse a razão e ao bom-senso era aceito de modo passivo ou absoluto. O essencial era manter tudo que não fosse sujeito a erros, contaminação ou mudança. O estudo e observação eram sérios, perseverantes e contínuos.

Certamente, é possível afirmar que as verdades espíritas se constituem em revelações de ordem moral, cuja finalidade é o progresso da humanidade. Estamos longe de abarcar a dimensão do conteúdo da Doutrina Espírita, do mesmo modo estamos longe de divisar a importância e magnitude do trabalho realizado por Allan Kardec.

Uberaba-MG, 22/09/2021.
Beto Ramos

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

OBRAS PÓSTUMAS NÃO É UM LIVRO DOUTRINÁRIO


ALLAN KARDEC
E O
CONTEÚDO
DE
OBRAS
PÓSTUMAS


É bastante comum observamos no movimento espírita brasileiro o uso do conteúdo de Obras Póstumas para justificar esse ou aquele posicionamento relacionado à Doutrina Espírita.

Nesse sentido, é lícito indagar: o conteúdo de Obras Póstumas é produto do trabalho de Allan Kardec? Para responder não basta lançar mão de uma opinião pessoal, é preciso deter um conjunto de conhecimentos prévios sobre o Espiritismo.

Em discurso pronunciado no túmulo de Allan Kardec, por ocasião de seu falecimento e diante de seus restos mortais, Camille Flammarion começa dando testemunho 'do relevante serviço que o autor de O Livro dos Espíritos prestou à filosofia, provocando a atenção e a discussão de fatos até então pertencentes ao domínio mórbido e funesto das superstições religiosas". 

Mais à frente no seu longo discurso Flammarion esclarece que Allan Kardec preferiu "constituir um corpo de doutrina moral a ter aplicado a discussão científica à realidade e à natureza dos fenômenos".

Tudo isso para conferir a Allan Kardec o título de "o bom senso encarnado". É, portanto, nesse sentido que pretendemos objetar ao conteúdo de Obras Póstumas ser labor de Kardec para constituir e tomar parte da Doutrina dos Espíritos, uma vez que, como afirma Camille, "o Espiritismo não é uma religião, mas uma ciência".

Afastado o caráter religioso, é preciso recordar que Kardec, na Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, afirmou que "O Livro dos Espíritos contém a Doutrina Espírita; como generalidade liga-se ao Espiritualismo, do qual apresenta uma das fases".

Para fundamentar nossa tese definiremos as palavras Doutrina e Filosofia. Doutrina é o conjunto coerente de ideias fundamentais que compõem um sistema filosófico a serem transmitidas, ensinadas. Filosofia é a ciência que investiga a dimensão essencial e ontológica do mundo real, ultrapassando a opinião irrefletida do senso comum, o qual é escravo da realidade empírica (materialismo).

Na apresentação da obra O Céu e o Inferno por ocasião da notícia de seu lançamento, à guisa de prefácio, na Revista Espírita de setembro de 1865, Kardec esclarece como produzia uma obra. Afirmou que "como nossos outros escritos sobre a doutrina espírita, aí nada introduzimos que seja produto de um sistema preconcebido, ou de uma concepção pessoal, que não teria nenhuma autoridade: tudo aí é deduzido da observação e da concordância dos fatos".

Ali, também, Kardec indicou o conteúdo de cada obra publicada sobre o Espiritismo. O Livro dos Espíritos contém as bases fundamentais do Espiritismo cujo conteúdo é desenvolvido em outras obras. O Livro dos Médiuns e o Evangelho Segundo o Espiritismo se apresentam, sobre os princípios fundamentais, como pontos de vistas especiais, onde se deduzem todas as consequências e todas as aplicações à medida que se desenrolavam pelo ensino complementar dos Espíritos e por novas observações.

Importa remeter o leitor à uma nota de Kardec na Introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, item I, objetivo da obra, em que afirma:

"Poderíamos dar, sem dúvida, sobre cada assunto, maior número de comunicações obtidas numa multidão de outras cidades e centros espíritas, além dos que citamos. Mas quisemos, antes de tudo, evitar a monotonia das repetições inúteis, e limitar a nossa escolha às que, por seu fundo e por sua forma, cabem mais especialmente no quadro desta obra, reservando para publicações posteriores as que não entraram aqui".

Cumpre, ainda, esclarecer qual era o critério de Kardec para publicação do Ensino dos Espíritos. Essa metodologia é que proporciona verificar a autoridade da Doutrina Espírita. Trata-se do controle universal do Ensino dos Espíritos. 

Antes de qualquer publicação Kardec usava o controle da razão, ao qual submetia tudo o que vinha dos Espíritos, sem exceção. O que encontrasse obstáculos no bom-senso, além do controle da razão, também submetia-se ao controle da lógica rigorosa. Mas, tudo isso, afirma Kardec, ainda era insuficiente para muitos casos, uma vez que muitos indivíduos não possuem conhecimento suficiente para o uso desse critério. Depreende-se que a análise das comunicações demanda domínio de várias áreas do conhecimento, bem como da Filosofia e da Lógica.

Por isso, além dos critérios acima, era necessário buscar a concordância no ensino dos Espíritos. Essa concordância requer espontaneidade nas comunicações, cuja fonte deve ser um grande número de médiuns, estranhos uns aos outros, e provenientes de diversos lugares. Outro critério de Kardec é o da prudência na publicação de qualquer informação. Não sendo atendidos todos os passos de seu método, aquilo que ele julgasse necessário publicar era publicado, mas, sempre com a advertência de que o fazia como opinião pessoal individual com a necessidade de comprovação.

Voltemos agora ao conteúdo de Obras Póstumas. Como se sabe esse livro foi publicado 20 anos depois da morte de Kardec. O que era importante publicar foi feito por Kardec em vida, conforme o método acima observado, no tempo oportuno e nas obras mencionadas. Haveria, então, alguma outra obra que Kardec gostaria de publicar?

Segundo Camille Flammarion, antes de morrer Allan Kardec trabalhava numa obra cujo conteúdo trataria de magnetismo e espiritismo. Ora, onde estão esse manuscritos? Por que esse conteúdo não seria mais importante que aquele de Obras Póstumas? Haveria interesses contrapostos à Doutrina dos Espíritos pelos 'continuadores' daquela sociedade criada pelo codificador?

Pois bem. Nada, absolutamente nada, sobre o tema que era estudado por Kardec foi publicado com tal indicação pelos mesmos publicadores do conteúdo de obras póstumas. O conteúdo dessa obra, portanto, seria fruto do trabalho de Kardec? A resposta é NÃO.

O fato de que os textos tenham sido encontrados nas gavetas de Kardec podem possuir valor do ponto de vista da história do espiritismo. Sua divulgação deveria ocorrer na integralidade e não com supressão de partes, pois isto indica interesse escuso ou, ao menos, estranho.

O trabalho de Kardec era organizar as informações advindas dos Espíritos e de interesse geral para a humanidade. O que possui caráter pessoal, segundo Kardec só é de interesse do destinatário. Mas, observamos que Obras Póstumas contém comunicações com a inscrição: particular.

Aliás, boa parte do conteúdo de Obras Póstumas tem natureza pessoal e não coletiva. Questionamos, então.

Por qual motivo Kardec não havia publicado esse conteúdo em vida? Teria dúvidas sobre o mesmo? Seria relevante para o público em geral? Passaram pelo crivo do controle universal? Kardec aguardava confirmação? Seria material para a história do espiritismo? Por que os 'continuadores' não publicaram o material referente a magnetismo e espiritismo tratado no discurso de Camille Flammarion no túmulo de Kardec?

Para comprovar nossa tese verificamos, conforme as imagens a seguir, que o conteúdo publicado em Obras Póstumas sofreu supressão (ou seria adulteração?). A seguir trazemos o conteúdo original , um manuscrito que tivemos a honra de ser agraciados com a imagem pelo Projeto Cartas de Kardec - FEAL, com o qual colaboramos, onde o Codificador conversa com um Espírito acerca de uma possível modificação na obra A Gênese.

Vamos recordar que há uma discussão/denúncia sobre existência de diferenças  retumbantes no conteúdo dessa obra entre a 4ª e 5ª edições, em que se discute a 'autoria' da mudança feita na 5ª edição (para facilitar, apresentamos, também, a tradução do manuscrito, o qual indicamos a leitura atenta):


O 'conteúdo' publicado em Obras Póstumas tratando do assunto desse mesmo manuscrito, referindo à mesma comunicação, além de sua reprodução com supressão de conteúdo, tem a flagrante constatação (na qual o leitor poderá observar por si mesmo, bastando a leitura atenta):




No manuscrito original, advindo do acervo da família de Canuto Abreu (em poder da FEAL), vê-se que a informação é distorcida. É lícito a qualquer estudante indagar qual o objetivo disto. Veja que no original a indicação é que o Espírito e Allan Kardec falavam sobre a Obra A Gênese. Falavam sobre o assunto alteração. Mas, o importante é verificar que estão tratando das 3ª e 4ª edições. Em Obras Póstumas, com o conteúdo modificado e suprimido, reportam-se à "4ª e 5ª". Nesse caso, a polêmica atribuída a Henri Sausse, levantada por Paulo Henrique de Figueiredo e pela FEAL na atualidade, não é produto de pessoas que postulam divisão no espiritismo, mas, seriedade com o conteúdo doutrinário. O mínimo que podemos fazer é atentar para a advertência e para as evidências ora apresentadas.

Convidamos o (a) leitor (a), após comparar os conteúdos ora publicamos, que reflita sobre a nossa afirmação derradeira:

O conteúdo de obras póstumas não é da lavra de Allan Kardec e não pertence ao conjunto publicado que contém a Doutrina dos Espíritos, poderá servir, se os documentos forem publicados integralmente, para compor a história do espiritismo, nada mais.

Uberaba-MG, 16/09/2021
Beto Ramos.







DESTAQUE DA SEMANA

A DOUTRINA DOS ESPÍRITOS NÃO É ASSUNTO QUE SE ESGOTA EM UMA PALESTRA

  EM SUAS VIAGENS KARDEC MINISTRAVA ENSINOS COMPLEMENTARES AOS QUE JÁ POSSUIAM CONHECIMENTO E ESTUDO PRÉVIO. Visitando a cidade Rochefort, n...