A ideia de laicização pode ser estudada a partir da experiência francesa que buscou se firmar sobre três princípios políticos, os quais foram definidos no processo histórico daquela nação. Vejamos:
1. Autonomia do político
Esse princípio preconiza que o poder não é emanação da vontade divina mas o representante de uma comunidade de cidadãos a governar-se a si própria. (No Brasil, a CF/88 estabelece que o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes, etc.).
2. Privatização inelutável do religioso.
Trata-se de um dispositivo republicano que não põe em causa a liberdade de consciência. Nesse caso, as igrejas só devem se vincular, exclusivamente, ao direito privado.
3. Primado do Estado em relação à sociedade civil.
O cidadão deve participar na elaboração de uma identidade coletiva, da qual pertença imediatamente, guiado apenas pela força da razão.
O fato é que, na França, os monarcas se apresentavam como representantes de Deus na Terra. Portanto, possuíam, a um só tempo, poder temporal e poder espiritual. Se mostravam como pessoas sagradas. Eram chefes da igreja e, também, chefes de Estado. Até a revolução francesa de 1789, o catolicismo era a religião oficial do Estado, e não era permitindo o culto ao protestantismo reformado.
À Igreja católica romana controlava direitos individuais e coletivos da vida dos franceses, tais como: estado civil, ensino, medicina, etc. Até o calendário, as festas e as tradições populares, tudo era de inspiração católica. Basta estudar a história daquele país para verificar o quanto perniciosa foi essa promíscua relação entre Estado e Igreja. Misturar assuntos espirituais com temporais NUNCA resultou em algo útil, bom e benéfico para o povo.
A Revolução Francesa estabeleceu uma política antirreligiosa; nacionalizou os bens do clero, suprimiu ordens monásticas e os votos religiosos (os quais foram julgados contrários às liberdades contidas nos Direitos do Homem).
Mas, havia um partido clerical. Os membros do clero, eleitos, deveriam prestar juramento à Constituição Civil. Todavia, nem todos obedeceram e alguns padres recusaram-se a isso. A Igreja católica da França se dividiu em dois grupos: de um lado o clero constitucional e, do outro, o clero refratário e fora-da-lei. Dá pra imaginar que o conflito não iria acabar bem. Várias insurreições ocorreram e foram brutalmente reprimidas, uma vez que, também, havia aqueles que eram fiéis à monarquia.
Allan Kardec, falando sobre o objetivo da Doutrina Espírita, sua essência e conteúdo, em uma de suas cartas a correspondentes da Revista Espírita, mencionou o interesse que esse partido clerical teve em aprofundar o estudo do Espiritismo, pois, queriam conhecê-lo para o combater.
Interessa notar que Kardec deixa claro o objetivo da Doutrina Espírita no plano coletivo (vida em sociedade). Entre outras afirmações ensinou que a Doutrina Espírita "conduz, inevitavelmente, e por uma via segura, a todas as reformas sociais perseguidas pelos homens de progresso e que ela acarretará, forçosamente, à ruína dos abusos". Perceba que, ao longo do processo histórico, quando o campo religioso era o detentor soberano do poder cometia atrocidades e abusos, o que não cessou quando o materialismo inimigo postulou combater o fanatismo.
Allan Kardec termina por esclarecer que "quem quer que a estude [a Doutrina Espírita] no seu princípio e nas suas consequências, nela verá toda uma revolução moral; em vez de tomar o edifício apenas pelo topo, ela o toma pela base e lhe dá sólidos alicerces no coração dos homens, inspirando-lhes a fraternidade efetiva e destruindo lhes o egoísmo, verme roedor de todas as instituições liberais que repousam apenas na materialidade".
Esperamos realmente que, ao menos entre os Espíritas, se compreenda a essência do Espiritismo e se combata a ideia de um Estado sectário. A laicidade é corolário da Lei Moral de Liberdade preconizada pelo Espiritismo. Deixamos, a seguir, para reflexão, essa notável CARTA DE ALLAN KARDEC.
Uberaba-MG, 20/10/2022.
Beto Ramos.
Fonte:
FEAL - Fundação Espírita André Luís (CDOR - Centro de Documentação de Obras Raras).