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sábado, 7 de maio de 2022

POR QUE ESTUDAR O ESPIRITUALISMO RACIONAL?

 

Sem dúvida, o ano de 1848 foi palco de uma onda de revoluções em toda a Europa. Especialmente na França e região monarquias são varridas, repúblicas são criadas, proibições várias, trabalhadores e estudantes tomam as ruas. Afinal, verificava-se uma tensão nesse período entre a República Social Democrática e a forma Liberal de Republicanismo.

No entanto, é imperioso recordar que esse período foi precedido pelo movimento que se convencionou chamar de iluminismo. Houve, é um fato, a Revolução Francesa, cujas bandeiras foram igualdade, fraternidade e solidariedade. Muitos ideólogos daquela revolução afirmavam que uma regeneração da humanidade só ocorreria a partir de uma revolução na educação (um desses, sem dúvida, foi Mesmer).

Mas, não se tratava de qualquer projeto educacional, e sim, um em específico: que alterasse a metodologia fincada na heteronomia calcada na ideia de que a mudança moral ocorre no indivíduo quando o mesmo é castigado ou recompensado. Essa ideia considera o ser humano apenas do ponto de vista de sua natureza animal, que pode ser adestrada por meio de dor ou prazer.

A partir do ano de 1830, século 19, vamos testemunhar um grande movimento caminhar noutra direção, isto é, de que o ser humano é uma alma encarnada (portanto, possui natureza divina, além da corporal ou física). A ideia central é de que o indivíduo deve possuir uma consciência moral, sem a qual não há regeneração da humanidade possível. Nesse sentido, é necessário que o indivíduo desenvolva essa consciência, processo em que é necessário:

  • Conhecimento da Lei;
  • Aceitar essa Lei como verdadeira;
  • Reconhecer a necessidade de sua aplicação.

Além das tensões políticas, outras estavam bem presentes. De um lado tínhamos os representantes das ideologias religiosas fundamentadas nos seus dogmas, os quais apesar de superados pelas ciências, não sinalizavam aceitar a Lei do Progresso. Abre-se caminho para o seu oposto: o materialismo.

No entanto, se de um lado o fanatismo religioso apresentava uma subserviência à divindade, mesmo que sem lógica e irracional, do outro lado, o desejo era extirpar o sentimento inato do ser humano quanto à existência de Deus, bem como à imortalidade da alma. As duas propostas são falidas. Nesse ambiente, surgiu o Espiritualismo Racional.

A Filosofia Espiritualista Racional conceitua consciência como uma faculdade de reconhecer a LEI MORAL e aplicá-la a todas as circunstâncias. Nesse sentido, consciência é, a um só tempo:

  1. Poder que ordena (dita o que é preciso fazer ou evitar);
  2. Juízo que julga o que foi feito, decidindo entre o bem e o mal.

Nesse sentido, cada um deve agir de acordo com sua consciência, uma vez que essa apresenta decisões nítidas e distintas.

Uma estrutura educacional bem construída deve proporcionar ao indivíduo adquirir o conhecimento necessário que lhe permita o uso de sua inteligência. Um indivíduo só pode ser considerado bom ou mal quando possui discernimento entre um e outro. Fora disto, ele está no estado de inocência ou no chamado sono da consciência. Até que a consciência desperte há um combate moral por excelência. Trata-se da luta entre o dever e a paixão.

Portanto, a Filosofia Espiritualista Racional propôs o estudo aprofundado de um conjunto de conhecimentos que proporcionem ao estudante investigar sobre hábitos que mostram um indivíduo sem consciência, isto é, que se habituou a não consultar ou a desprezar os ditames da consciência, espécie de voz interior que diz o que fazer ou não fazer.

Assim, é necessário estudar as emoções ou afeições diversas, isto é, os prazeres ou dores que nascem na alma. É imperativo estudar, na ação para fazer, a atração pelo o bem e a aversão pelo mal. O hábito é considerado uma violência do desejo. Ao julgar a ação realizada, o indivíduo verifica se houve prazer, isto é, uma satisfação moral e nesse caso, a ação é boa. Lado outro, se houve remorso e arrependimento, portanto, uma má ação, o resultado será o sofrimento. Esse sofrimento não é físico, mas, de ordem moral, uma espécie de castigo em razão do crime. São os vícios, estágio mais avançado dos hábitos, que criam o arrependimento da alma.

O Espiritualismo Racional, propõe que o indivíduo adquira a liberdade, isto é, a posse de si mesmo. Sendo uma alma encarnada, é denominado agente moral. Esse agente, livre, pode escolher por sua própria vontade. Fazer o bem, fazer o mal, não fazer o bem ou não fazer o mal. Para essa filosofia a livre escolha supõe a responsabilidade. Contudo, há uma lei de progresso natural, pois, os caracteres humanos não são imutáveis, todos estão sujeitos às boas ou más inclinações. Cabe a cada um adquirir virtudes e se livrar dos maus hábitos ou dos vícios.

Não se pune, portanto, o que é feito por coerção ou por ignorância. No caso da coerção ou da ignorância, não esteve presente a intenção do indivíduo para que essa, isso sim, possa ser julgada. A vontade que escolhe livremente reclama o conhecimento da lei moral, sua aceitação pelo agente moral como verdadeira e o reconhecimento deste de que há necessidade de sua aplicação em quaisquer circunstâncias da vida. Somente o agente moral livre poderá ser responsabilizado por suas ações.

Neste caso, a educação moral proposta pela Filosofia Espiritualista Racional cria um 'programa de estudos' onde o estudante tenha as condições necessárias de, por si, construir o conhecimento do que é o bem e do que é o mal, possuindo toda a liberdade de agir. Em razão de que o conhecimento de cada um é variável, as condições de responsabilidade varia na mesma proporção.

Para o Espiritualismo Racional, no entanto, as recompensas e castigos tomam formas distintas daquelas propostas pelo educação moral heterônoma, onde a recompensa é o prazer material, assim como o castigo ou punição é um sofrimento corporal infligido ao agente.

No campo da moral autônoma a recompensa e o castigo não existem PARA que a lei moral seja cumprida. Castigo e recompensa podem, até, ser meio de conduzir ao bem e desviar do mal, mas, essa não é sua função essencial. Aliás, essa não é, de forma alguma, a verdadeira ideia de castigo ou recompensa.

O castigo e a recompensa existem PORQUE a lei moral foi cumprida ou violada. Trata-se de justiça, não de utilidade. No campo da moral, o castigo é a reparação ou a expiação. O que assegura a execução da lei moral é o ato ou sua abstenção, no sentido de corrigir sua violação (reparação ou expiação). Se, de um lado, a ordem ou harmonia foi perturbada por uma vontade rebelde, a consequência do falta cometida será o sofrimento moral por tal perturbação.

Em sociedade, os tipos de sanções são: natural, legal, da opinião e interior. A pena natural é a própria consequência imediata da ação; a legal é aquela constante do código penal; a de opinião é a censura, o desprezo, a aversão dos outros; e, por último, a interior é a que resulta da consciência (sentimento moral). Para o Espiritualismo Racional, o ser humano DEVE e PODE aperfeiçoar seu CARÁTER.

O Brasil já experimentou essa oportunidade de conhecer a Filosofia Espiritualista Racional, conforme percebemos no programa abaixo, o qual compartilhamos para conhecimento:

PROGRAMA DO ENSINO DE FILOSOFIA
(IMPERIAL COLÉGIO DE PEDRO SEGUNDO)

1.

INTRODUÇÃO

Definições, objeto, divisão, importância e relações da filosofia com outras ciências.

2.

ONTOLOGIA ELEMENTAR

Do ser; da essência.

3.

Do infinito e do finito, do absoluto e do relativo, da substância, do atributo e do modo.

4.

Da causa em geral

Causa eficiente, ocasional, material, instrumental e final.

5.

Do verdadeiro, do bem e do belo (noções de estética).

6.

Do espaço; do tempo.

7.

DA PSICOLOGIA

O composto humano; passagem da fisiologia à psicologia; dos fatos psicológicos; faculdades da alma.

8.

Da sensibilidade em geral; da sensibilidade física; Das sensações.

9.

Da sensibilidade intelectual e moral; Sentimentos e afeições.

10.

Da inteligência em geral; Da consciência ou percepção íntima.

11.

Da percepção externa; Elementos da percepção; Os sentidos e seus erros.

12.

Das ideias em geral

Definições, diferenças, características, origem e formação.

13.

Da atenção; Da reflexão; Da comparação.

14.

Da razão pura; Noções e verdades primárias.

15.

Do juízo; Do raciocínio.

16.

Da memória; Da associação das ideias.

17.

Da abstração; Da generalização; Da imaginação.

18.

Da linguagem:

Definição, diferenças, classificação, origem e utilidade.

19.

Da vontade:

Do instinto e do hábito; da atividade livre.

20.

Da liberdade e suas provas; Dificuldades e teorias.

21.

Da unidade, identidade e espiritualidade da alma.

22.

LÓGICA:

Objeto da lógica; Método em geral; Análise e síntese.

23.

Métodos particulares; Classificação das ciências.

24.

Do método indutivo:

Observação, experimentação e classificação.

25.

Da analogia; indução e hipótese.

26.

Do método demonstrativo:

Axiomas, definições e demonstração.

27.

Do silogismo:

Matéria e forma, termos e proposições, figuras e regras.

28.

Graus de assentimento:

Probabilidade, evidência e certeza.

30.

Dos erros:

Causas e remédios.


1.

TEODICÉA

Noções preliminares; Da ideia de um Ente Supremo; Argumentos físicos da existência de Deus.

2.

Argumentos morais e metafísicos da existência de Deus; Crítica de todos os argumentos.

3.

Principais atributos de Deus.

4.

Da Providência e seus atos:

Argumentos à priori, à posteriori e indiretamente.

5.

Erros acerca de Deus:

Ateísmo, dualismo, politeísmo, panteísmo.

6.

MORAL:

Princípios das ações humanas; O prazer e o bem; O útil e o honesto; Sistema de Stuart Mill.

7.

Da consciência moral:

Distinção do bem e do mal.

8.

Da lei moral e suas partes componentes.

9.

Destino do homem e imortalidade da alma:

Argumentos principais e complementares.

10.

Moral Prática:

Deveres do homem para consigo mesmo.

11.

A moral perante a humanidade, a família e o estado.

12.

Moral religiosa ou deveres do homem para com Deus.

13.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA:

Objeto, utilidade, métodos, sistemas e divisão da história da filosofia.

14.

Filosofia antiga; Origens orientais; Filosofia grega antes de Sócrates.

15.

Filosofia socrática; Platão e a Academia.

16.

Filosofia depois de Sócrates:

Aristóteles, Pyrrho, Epicuro e Zeno.

17.

Filosofia romana; Escola de Alexandria; Os Padres da Igreja.

18.

Filosofia medieva:

Fases da escolástica.

19.

Filosofia moderna:

Bacon e Descartes.

20.

Filosofia do século XVII

Sectários de Bacon e de Descartes.

21.

Filosofia do século XVIII na França.

22.

Filosofia Inglesa no século XVIII.

23.

Filosofia do século XVIII na Alemanha.

24.

Filosofia do século XIX na Inglaterra, na França, na Itália, na Alemanha e na Bélgica.

25.

Resumo de todos os sistemas de Filosofia contemporânea e sua influência no Brasil.


Finalizando esse convite à reflexão, bem como de uma página de defesa à Filosofia Espiritualista Racional e a necessidade de sua recuperação nos dias atuais, principalmente para se compreender, verdadeiramente, o Espiritismo, deixamos algumas informações que podemos extrair e que nos serve de base para meditar sobre a ligação estreita entre Espiritualismo e Espiritismo, esse último como uma fase/parte do primeiro.

A Filosofia Espiritualista Racional preconiza que não há bem verdadeiro quando exista qualquer interesse pessoal. O Bem Moral é o verdadeiro bem, o soberano bem. Esse bem precisa ser conhecido ou reconhecido como o objetivo da humanidade. Na luta interna de cada indivíduo a razão mostra o bem e a paixão arrasta ao prazer.

Há uma LEI NATURAL que toma a forma de constrangimento, uma ordem, uma necessidade, que se apresenta de modo:

a. Imperativo: faça o bem;

b. Proibitivo: não faça o mal

A isso chamamos DEVER. No Espírito em desenvolvimento trata-se de um constrangimento moral, mas, não há nenhuma coerção física. O constrangimento imposto pelo dever é suportado pela razão, sem violar a liberdade. Aquilo que por necessidade só se impõe à razão, sem constrangimento da vontade, é a obrigação moral.

Dizer que o bem é obrigatório significa que "nós nos consideramos como obrigados a realizá-lo, sem sermos forçados a isso".

O que é feito à força deixa de ser o bem. O bem deve ser livremente realizado. Trata-se de uma necessidade consentida. Do contrário, tudo que é feito quando se obedece voluntariamente a todas as paixões, transforma o ser humano num animal; compara-se ao idiota, ao louco, ao que caiu no delírio.

O dever se caracteriza por ser absoluto e universal. O objetivo da lei do dever é o próprio dever, cuja lei se obedece por si mesma, não alguma razão. Aconteça o que acontecer, faça-se o que deve ser feito. Por isto, é absoluto.

A universalidade é um caráter do dever, uma vez que sua lei deve ser aplicada a todos os indivíduos, da mesma maneira e nas mesmas condições. Cada um deve reconhecer essa lei impondo-se a si mesmo, tanto quanto aos outros.

A conclusão dessa reflexão é da própria Filosofia Espiritualista Racional: "Faça ao outro o que gostaria que ele lhe fizesse e não faça ao outro o que não gostaria que ele lhe fizesse".

Essas considerações, extraídas da Filosofia Espiritualista encontram ecos muito bem fixados em O Livro dos Espíritos, especialmente nas seguintes questões: 621, 625, 627, 629, 631, 658, 672, 670, 747, 886, 895 (entre outras). Caso, após a leitura, você perceba outras questões que estão em consonância com as colocações feitas no texto, por favor, coloque nos comentários.

Fonte:
JANET, PAUL. Pequenos Elementos da Moral. Edições Kindle. Tradução de Maria Leonor Loureiro.

Uberaba - MG, 07/05/2022
Beto Ramos

2 comentários:

João disse...

Olá Beto, qual é fonte desse Programa do Ensino de Filosofia?!
Estou fazendo uma grande pesquisa sobre a História da Filosofia do/no Brasil juntamente com esse entrelassamento com o Espiritualismo Racional, e queria saber onde posso pegar mais informações dessa época, vai ser de grande valia. Obrigado!

Beto Ramos disse...

Olá João. A fonte primeira sobre a relação do Espiritualismo Racional (ou Filosofia Espiritualista) é Kardec em O Livro dos Espíritos, Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita, item I; Quanto ao programa mencionado no artigo que você faz referência, a fonte é, também, Paul Janet: Tratado Elementar de Filosofia Tomo 1, pg 3. Obrigado pelo comentário. Abraços.

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