Quem não tem dúvidas, certamente, é porque não estuda. E, por falar nisto, vejamos quantas perguntas estão presentes apenas em uma proposta de reflexão. Por aqui, falando de ato do dever moral e a caridade desinteressada, podemos começar indagando:
- O que é ato?
- O que é moral?
- O que é dever?
- Onde podemos encontrar tais temas?
Partindo do final, esses temas pertencem à filosofia, à psicologia, ao espiritualismo racional e ao espiritismo, entre outras áreas do conhecimento e do saber.
Daí, outra pergunta: o que propõe o espiritualismo racional quanto ao ato, à moral e ao dever? Por que propõe? Qual a compreensão de moral anterior à proposta feita pelo espiritualismo racional?
Perceba que nossa jornada não será fácil. Vamos começar definindo e delimitando.
Ato, do latim actus, tem sentido de movimento; impulso. Ator é aquele que age, isto é, quem produz o ato. Esse, por sua vez, é o exercício da faculdade de agir. Ato, também considerado, pode ser o que se faz ou o que se deixa de fazer.
A ética definiu o ato como uma ação guiada por uma consciência livre e consciente. Outros campos, como filosofia e direito, também buscaram suas definições (se o leitor tiver interesse, busque o significado).
Quanto à moral, a filosofia ensina que se trata de cada um dos sistemas variáveis de leis e valores estudados pela ética. Tais leis e valores são diferentes conforme cada sociedade e seus comportamentos. Nessa categoria temos o que é proibido, permitido, desaconselhado, ideal e etc.
Segundo Kant, dever é o guia da AÇÃO MORAL do indivíduo. Nesse caso o indivíduo possui no dever o imperativo categórico. Fundado na raiz racional, o dever moral é um código de conduta auto imposto pelo indivíduo como um verdadeiro dever ser.
O dever moral, como sistema, é constituído basicamente pela VONTADE. Seu fundamento é a AUTONOMIA DA VONTADE, isto é, a liberdade.
Quando o estudante espírita se aprofundar na teoria espírita, cujo fundamento é o livre-arbítrio, vontade, autonomia, dever, moral, ato e ato do dever moral, não ficarão obscurecidos e serão facilmente compreendidos. Assim esperamos.
Importante destacar a evolução do pensamento recuperando a história. Igreja e religiões ancestrais pregavam, diversamente do espiritualismo racional e do espiritismo, uma MORAL DA SUBMISSÃO. O materialismo, como modelo de pensamento, defendia a MORAL DO UTILITARISMO. Em ambos os casos, como concepção, a MORAL era compreendida pelo prisma do INTERESSE. Nesse caso, o ser humano é passivo. Não há um ATO LIVRE, nem CONSCIENTE, isto é, todo ato visa a um interesse de quem age. Esse interesse se resume em angariar recompensa ou se livrar de um castigo.
O materialismo surgiu em face de uma tensão provocada pelo radicalismo fanático da igreja. E o motivo é bem simples: a igreja lutava contra a razão. Mas, ao seu turno, o materialismo vem como princípio da negação de tudo. Inaugura a incredulidade absoluta e com muita energia. É essa incredulidade que irá causar um vazio angustiante na sociedade (no caso da França, o período dessa tensão será caracterizado pela Revolução Francesa).
Nesse cenário de vazio e angústia o Espiritualismo Racional retomará o estudo das ciências morais a partir de uma psicologia experimental espiritualista (inédita e singular na história da ciência). O título Espiritualismo Racional foi usado para se diferenciar da tradição ancestral religiosa.
Esse movimento se caracterizou por:
- Adotar a metodologia científica;
- Buscar fazer com que o sucesso científico no estudo da matéria se repetisse no estudo do ser humano;
- Compreender as leis naturais que fundamentam esse estudo.
Resumindo: substituir a fé cega por uma racional.
Importante ressaltar três momentos importantes para o movimento espiritualista racional, a saber:
a. O Espiritualismo Racional toma as ciências morais na universidade;
b. Passou a ser matéria fundamental da Escola Normal na formação de professores;
c. Segue como objeto de estudo, também, nos liceus e colégios franceses.
A partir daí, o movimento espiritualista racional seguiu pelo mundo, com destaque para Portugal, Espanha, países da América Latina e Brasil.
É preciso conhecer um pouco mais da história para fazer a correta conexão desse movimento com o Espiritismo, visto que a mesma é afirmada por Allan Kardec.
Falemos, então, sobre a moral da liberdade. Nem a submissão da igreja, nem o utilitarismo do materialismo. De um ser humano passivo, a moral racional busca um ser humano ativo e, portanto, propõe:
"O ato moral é caracterizado por ser livre e consciente e é definido como o ATO DO DEVER, sem lugar para castigo ou recompensa".
Os pensadores do Espiritualismo Racional definem que o DEVER é o FUNDAMENTO da CARIDADE. É que, enquanto a JUSTIÇA é o cumprimento do dever (estabelecido pelo grupo social), a CARIDADE está LIVRE para AGIR sem vínculo a qualquer INTERESSE.
O bem moral supõe o bem natural que lhe é anterior e lhe serve de fundamento. Funciona assim: agir em prol de um bem moral é uma escolha racional, pois:
- Não há busca de obediência a Deus, nem é resultado do medo ou do castigo;
- Nada de imposição, seja por Deus ou pela sociedade.
O bem moral consistirá, conforme ensina Paul Janet (1886), em preferir:
- O que há de melhor em nós em detrimento do que há de inferior;
- Os bens da alma em detrimento aos bens do corpo;
- A dignidade humana em detrimento da servidão das paixões animais;
- As nobres afeições do coração em detrimento das inclinações de um vil egoísmo.
Segundo se observará, está presente na natureza do ser, isto é, em sua consciência. Portanto, o pressuposto para o AGIR do indivíduo pelo BEM MORAL é que aceite a lei moral presente em sua consciência como verdadeira e lhe reconhecer a aplicação necessária em cada caso particular.
A consciência, lugar onde a lei moral está presente, é definida como a faculdade de reconhecer a lei moral e aplicá-la a TODAS as circunstâncias que se apresentem. Consciência é o ATO DO ESPÍRITO pelo qual aplicamos a um caso particular, a uma AÇÃO a se praticar ou já praticada, AS REGRAS GERAIS DADAS PELA MORAL.
O despertar dessas leis morais, presentes na consciência não surge como por mágica. As regras gerais da moral vão permear um conceito criado pelo Espiritualismo Racional: a regeneração da humanidade. Por ele se postula o direito primordial à educação ativa, que compreende:
- A conquista de oportunidade para todos;
- Criar um novo mundo, pelo ato solidário e pela nova educação transformadora.
São postulações por LIBERDADE, onde há direito de:
- Pensamento (ensino livre);
- Consciência (liberdade de crença); e,
- Moral (dever).
É preciso recordar que o termo LIBERDADE é uma construção do pensamento liberal, o qual possui significado especial para o Espiritualismo Racional e para o Espiritismo.
O movimento liberal francês pretendia estabelecer no ambiente social uma RELIGIÃO NATURAL e um DEUS FILOSÓFICO, todo AMOR E JUSTIÇA, sem o exclusivismo das seitas que causa divisão. Trata-se, portanto, do LIBERALISMO ÉTICO. Aqui se compreende a ideia anterior, isto é, liberdades individuais da alma: de pensamento, de crença e de escolha do ato moral.
Em 1868, na Revista Espírita, Kardec afirmou que o Espiritismo é uma Doutrina Liberal. Essa doutrina preconiza:
- Emancipar a inteligência pela liberdade de consciência;
- Combater a fé cega por meio do livre exame como base essencial de toda crença séria.
Atualmente, a caridade é compreendida como sinônimo de assistencialismo. Para Kardec, o termo tinha outro significado. Baseado no Espiritualismo Racional representa o AGIR PELO DEVER. Uma ação livre, mas consciente, totalmente intencional, com plena compreensão da lei moral.
A caridade é um princípio orientador do AGIR INTEGRAL DO SER. Em Kardec não é atividade complementar, não é comportamento acessório.
Como afirmado, a humanidade, para regenerar-se, sofrerá um despertar dessas leis morais presentes em cada consciência por meio da educação. O ato do dever, que é o fenômeno moral, é analisado pela MORAL TEÓRICA, uma das disciplinas estudadas nas universidades do século 19 na França em uma ciência filosófica: o Espiritualismo Racional.
Em 1864, na Revista Espírita, Allan Kardec afirmou que a MORAL DOS ESPÍRITOS superiores é a mesma dos espiritualistas racionais, isto é, A MORAL AUTÔNOMA, baseada no ATO DO DEVER, que é livre, consciente e VOLUNTÁRIO.
Indivíduos que escolhem novos hábitos, agindo por sua livre escolha de modo solidário, exercem o ATO DO DEVER e estabelecem a CARIDADE ao lado da JUSTIÇA.
Apesar da definição inicial é importante deixar claro: o que é o ato do dever ensinado para jovens, a partir de uma educação que o torna ativo e consciente do seu papel no mundo onde se busca a REGENERAÇÃO DA HUMANIDADE?
É o próprio AGIR do ser humano pelo ATO DO DEVER, que além de respeitar a justiça, PRATICA A CARIDADE, ou seja:
"proporcionar aos outros aquilo que desejaria pra si mesmo (a moral social)".
A MORAL PRÁTICA, nas ciências filosóficas admite a segunda divisão para os deveres:
- Deveres para com os animais;
- Para consigo mesmo;
- Para com os indivíduos; e
- Para com Deus.
Vamos encontrar correspondência entre essa proposta espiritualista racional em espiritismo. Essa classificação dos deveres, a divisão de temas e a abordagem conceitual da moral prática do Espiritualismo Racional estão presente na Doutrina Espírita. Na parte terceira de O Livro dos Espíritos, que trata das leis morais, encontraremos:
- DEVERES PARA CONSIGO:
- Lei de Conservação
- Lei de Liberdade
- DEVERES PARA COM OS OUTROS:
- Casamento;
- Pais, filhos, e sociais;
- DEVERES PARA COM DEUS:
- Aperfeiçoamento do seu ser.
Para todos que conseguiram chegar até aqui, parabéns e obrigado.
NOSSA FONTE PRINCIPAL DE PESQUISA:
FIGUEIREDO. Paulo Henrique de. Autonomia - a história jamais contada do Espiritismo. São Paulo: FEAL, 2019 (exemplar digital Amazon).
11 comentários:
Excelente, precisamos abrir a mente e buscar esses conhecimentos, deixar de ler o pentateuco como livros sagrados que devem ser decorados. Precisamos estudar e aprofundar os conhecimentos com a liberdade que questionar para compreender e vivenciar.
Excelente, já é hora de abrir a mente e deixar de ler o pentateuco como livros sagrados e fazer as perguntas necessárias pra compreender e vivenciar os ensinos ali contidos.
Olá, grato pelo comentário. É muito importante para o espaço. Você tem razão. É isso mesmo, vamos em frente sempre. Abraços.
Olá, grato pelo comentário. É muito importante para o espaço. Abraços.
Parabéns. Artigo excelente. Quero ler a obra.
Obrigado pela genteleza. Tem disponível no formato digital também. Abraços.
Excelente pessoal. Muita informação.
Valeu. Realmente. Abraços.
Esclarecedor! Obrigada
Devemos o fundo dos esclarecimento principal ao nosso amigo e companheiro Paulo Henrique de Figueiredo. Cada leitura de seu livro AUTONOMIA nos deparamos com pontos importantes da DE que ficaram sem a devida atenção do movimento.
Corrigindo, desculpe: gentileza! ...
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