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quarta-feira, 3 de novembro de 2021

A HISTÓRIA RECUPERADA DO ESPIRITISMO

 

Se pesquisarmos entre os espíritas quanto à origem da Doutrina Espírita, certamente, a maioria responderá que provém do ensinamento dos Espíritos superiores. Não é possível negar-se a idoneidade da informação quando encontramos a afirmação de Kardec quanto a O Livro dos Espíritos constituir-se em compêndio de seus ensinamentos que, escrito por ordem e sob ditado daqueles, estabelecem os fundamentos de um filosofia racional, contendo a expressão de seu pensamento e sofrido o seu controle.

Mas, seria lícito afirmar que tudo provém dessa única fonte? Na mesma obra citada, percebe-se o uso da expressão filosofia espiritualista logo na sua contracapa. Além de constar na introdução ao estudo da doutrina espírita que:

"Como especialidade "O Livro dos Espíritos" contém a Doutrina Espírita; como generalidade liga-se ao Espiritualismo, do qual apresenta uma das fases. Essa a razão porque traz sobre o título as palavras: Filosofia Espiritualista".

Se o Espiritismo é uma das fases do Espiritualismo, ao qual é ligado, como empreender o estudo do Espiritismo com parcial ou total desconhecimento do Espiritualismo? Eis aqui o equívoco que cometemos há muito tempo. Esse tempo de ignorância precisa ficar no passado e constar somente nos arquivos e anais da história do Espiritismo. Quanto a nós, vamos buscar contribuir para iluminar o debate.

O pesquisador Paulo Henrique de Figueiredo vem desempenhando importante papel no resgate da teoria moral espírita. Do seu AUTONOMIA: A HISTÓRIA JAMAIS CONTADA DO ESPIRITISMO, vamos extrair preciosas informações para contribuir com o retorno das águas do Espiritismo ao seu curso natural.

É preciso remontar ao ambiente francês criado pelo iluminismo que prepara ideias revolucionárias, de onde surge o rompimento radical com as teorias da igreja com o aparecimento das ideias materialistas que, mesmo com a tentativa de retorno ao regime antigo, um grupo denominado ideólogos passaram a determinar a produção do conhecimento universitário e conduziram o pensamento filosófico para o campo do ceticismo materialista.

Como os materialistas explicariam a existência humana?

Investigando o fenômeno do comportamento humano por meio de análises psicológicas das faculdades humanas, estudando a linguagem, o juízo e a vontade, perceberemos que na busca da origem e a extensão do conhecimento humano surge a ideologia como ciência. A princípio, investigando o ato de pensar, teorizou-se que estaria associado ao juízo, como um sentir que há relação entre as coisas, com o desejo, como um sentir que quer algo, e com a sensação, com um sentir algo atual e presente por meio dos órgãos. Concluindo, desse modo, que sentir é o mesmo que existir.

Para tanto, envolveria a solução denominada motilidade, importando em sentir a diferença entre o "objeto externo" e "si mesmo". A formação da personalidade humana resultaria de uma cadeia de ideias no conhecimento das coisas. O indivíduo, zerado no nascimento, tornaria pensante pelos hábitos que se condicionou pela repetição.

Percebemos aí a inexistência do senso moral e a desnecessidade de fazer o bem aos outros sem limites.

Por fim, o ser humano estaria em busca da satisfação de seus desejos, movido apenas pelo instinto de preservação, comandado pela dor e pelo prazer. Nesta escola de pensamento a educação forma personalidade e comportamento por meio de punição e recompensa, no interesse da sociedade.

Mas, não podemos perder de vistas: estamos no campo do pensamento científico.

Não havia motivos, até então, para que se fizesse oposição a argumentos lógicos e razoáveis. No entanto, surgirá uma crise. É nesse momento que há mudança de paradigmas, pois, a teoria que parecia estar completa apresenta-se equivocada, uma vez que não explica fenômenos que fazem parte do seu objeto de estudo. A mudança de paradigma é resumida assim por FIGUEIREDO: "[...] a ciência do homem após a Revolução Francesa evoluiu de um corpo que pensa porque sente, para uma alma que pensa usando o corpo como seu instrumento". (grifo nosso).

Segundo FIGUEIREDO, Maine de Biran (1766-1824), questionará a teoria da motilidade, pois, desafiado pelo Instuto da França (1802) a responder qual a influência do hábito sobre a faculdade de pensar?, partindo da hipótese materialista, reconhece na fisiologia os intrumentos da sensibilidade, mas vendo o ser humano como alma e corpo, reconhecerá que as faculdades são da alma e não do corpo. Esse pensador conceituará o ser humano como duplo, ativo e livre. Para Biran o ser humano é uma alma encarnada.

Nesse reduzidíssimo resumo, sem qualquer ideia de esgotar, mas, na esperança de impulsionar a investigação da ciência, pode-se perceber que há toda uma psicologia precursora do Espiritismo. Não podemos estudar o Espiritismo com a visão de nosso tempo.

É preciso contextualizá-lo no período que antencedeu e mesmo durante o século 19. Várias ideias antes elaboradas e muitos conceitos fundamentais que já estavam desenvolvidos foram tomados como base por Allan Kardec.

Se buscarmos estudar a ciência filosófico-espírita vamos encontrar todo um mundo desvendado por Kardec. O mundo das consequências morais, a partir do reconhecimento do Espírito como a "alma desencarnada".

O método da observação, ao seu turno, também não é orginal do Espiritismo, mas foi por ele que Kardec passou à observação dos fenômenos espíritas.

Em breve faremos novas incursões e traremos mais informações relevantes, principalmente o fato de que jovens e adultos estudavam o Espiritualismo Racional como currículo escolar na França do século 19.

FONTE: FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Autonomia: a história jamais contada do espiritismo. São Paulo: FEAL, 2019.

Uberaba-MG, 03/11/2021.
Beto Ramos

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

HOMEM DE BEM, FAMÍLIA & PÁTRIA, SEGUNDO O ESPIRITISMO


"Os maiores enganos do ser humano são provenientes dos sofismas das paixões".






1. O HOMEM DE BEM

Nos "Colóquios de Sócrates com seus Discípulos" (in Resumo da Doutrina de Sócrates e Platão, Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução, Allan Kardec), quando encontrava-se na prisão, acusado que fora, entre outras coisas, de corromper os jovens, o filósofo declarou:
“Vês, Cálicles, que nem tu, nem Pólux, nem Górgias podereis provar que devamos levar outra vida que nos seja útil quando estivermos do outro lado. De tantas opiniões diversas, a única que permanece inabalável é a de que mais vale receber do que cometer uma injustiça e que, acima de tudo, devemos cuidar, não de parecer, mas de ser homem de bem”.

Desde a antiguidade a ideia da moral que deve reger a conduta humana está presente na história da evolução. Quem é o verdadeiro homem de bem? Eis a questão. Segundo a Doutrina Espírita, é aquele que cumpre a Lei de Justiça, de Amor e de Caridade, na sua maior pureza. Mas, como ocorre o processo? É algo interno, íntimo do ser, ou vinculado ao exterior e estranho aos sentimentos que o move?

No Evangelho Segundo o Espiritismo, para cumprir essa lei do modo mais sincero, é necessário que o indivíduo se interrogue acerca dos próprios atos, pesquisando se a violou ou não. Para tanto, no exame interno, observa:
  • Se não praticou o mal e se fez todo o bem que podia;
  • Se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil;
  • Se ninguém tem qualquer queixa dele;
  • Se fez ao outro tudo o que deseja que o outro lhe faça.

É claro que estamos tratando de um indivíduo cuja fé é em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria, o qual não busca forças em coisas ou pessoas, pois, conhecendo a soberania do Criador, submete-se à suas Leis Naturais. E sua base é o conhecimento de que a alma é imortal, por isso coloca os bens espirituais acima dos bens materiais.

Trata-se da consciência da vida espiritual. O verdadeiro ser humano de bem sabe que todos os problemas da vida, tais como as dores, decepções, etc., são provas ou expiações e, certo de que tudo é fruto das próprias escolhas, ações ou omissões, com consciência, as aceita sem murmurar.

Percebe-se que esse modelo de indivíduo está possuído por caridade e amor ao próximo e se elevou, em grau, na escala espírita. O ser humano de bem é impulsionado pelo amor ao próximo, pois, cuida primeiro dos interesse dos outros. Ele faz o bem pelo bem e não espera nada em troca. Até o mal, retribui com o bem.

O homem de bem é bom, humano e benevolente com todos. Em qualquer ocasião toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica sempre os seus interesses para fazer prevalecer a justiça. Por isso, encontra felicidade nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, na felicidade que leva aos outros, nas lágrimas que enxuga e nas consolações que espalha aos aflitos.

Não é difícil perceber que o verdadeiro 'homem de bem' NÃO É PRECONCEITUOSO, pois, respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança críticas aos que não pensam como ele. Claro está que não faz qualquer distinção de etinias ou crenças. Vê todos os demais como irmãos.

Guiado pela caridade, não alimenta ódio, rancor ou desejo de vingança. Perdoa e esquece as ofensas, lembrando apenas do bem que recebeu. Sua consciência é clara acerca da sorte que aguarda o que prejudica o outro com ofensas, ferindo o ponto fraco alheio com orgulho e desprezo, principalmente, quando é possível evitar. Sabe que quem causa sofrimento ou contrariedade, faltando ao dever de amor ao próximo, experimentará reencarnações para corrigir suas imperfeições.

Desta maneira, compreende que o único caminho é ser indulgente com as fraquezas alheias, uma vez que sabe que no processo evolutivo contínuo e perpétuo, é, também, um Espírito imperfeito.

Quem desejar ser, e não somente parecer um ser humano de bem, precisa reconhecer que todos estão na Terra para evoluir moralmente e progredir intelectualmente, sendo que atingirá a meta somente quando não mais precisar reencarnar. Por isso, o exame é contínuo. Deve-se estudar as próprias imperfeições e trabalhar incessantemente para combatê-las.

Quem reconhece os próprios defeitos não sente prazer em identificar e apontar os defeitos alheios. Quando isso é necessário, é preciso procurar qual o bem que pode atenuar o mal feito.

Atingir o grau na escala espírita onde o indivíduo está possuido pela caridade e amor ao próximo é uma luta que exige empregar todos os esforços para ser melhor no dia seguinte, do que na véspera.

Reencarnados, ostentando as diversas posições sociais, gêneros de provas e pontos de vistas distintos, é preciso considerar o melhor estilo de vida. O Espiritismo ensina não se vangloriar como Espírito ou como ser humano às custas dos outros, bem como não se envaidecer com riqueza ou vantagens pessoais. Pois tudo é transitório.

Assim, é necessário usar e não abusar dos bens que possui, pois, se trata de um depósito cuja conta é prestada após a morte. Por isso é que não se deve empregar todo esse patrimônio emprestado para satisfação das paixões.

Toda ocasião é momento para ser útil. O verdadeiro homem de bem procura ser proveitoso aos outros. É assim que, como superior, exerce liderança e não chefia. Usa de tratamento bondoso e benevolente, pela razão de que todos são iguais perante Deus. A autoridade é melhor empregada para levantar o moral e não para esmagar com orgulho. É sempre possível amenizar a condição de subalternidade do outro. No caso do subordinado, há compreensão completa dos deveres da posição que ocupa e se empenha em cumprí-los conscienciosamente.

As qualidades morais (boas ou más) do ser humano expressam o caráter do Espírito nele encarnado. O homem de bem é um bom Espírito, enquanto que o vicioso é um Espírito imperfeito. Ninguém, todavia, está voltado para o mal eternamente, uma vez que esse estado é apenas por falta de conhecimento.

A preocupação principal do homem de bem é estudar as leis que regem o Espírito e as colocar em prática. Mas, há qualidades que podem fazer pensar que o seu detentor é homem de bem. Todavia, apesar de ser qualidades reais que mostram progresso, verifica-se que não suporta qualquer ataque ao interesse pessoal.

Uma das características do homem de bem é o completo desapego às coisas materiais. A elevação do Espírito que demonstra progresso real é observada quando ele põe em prática a Lei de Deus na vida corporal, antecipando a compreensão da vida espiritual.

2. FAMÍLIA

O Espírito que reencarna com vistas à evolução intelecto-moral é membro de uma família. Para bem se compreender e definir família, segundo o Espiritismo, é preciso saber quem somos, como vivemos e de onde viemos.

Julga-se bastante a matéria, mas, como visto, o ser humano de bem é aquele que busca compreender a vida espiritual. É preciso reconhecer essa verdade: o corpo procede do corpo, mas, o Espírito não procede do Espírito. Entre descendentes das etnias nada mais existe do que consaguinidade.

O Espírito é criação divina. O corpo humano é um instrumento. Portanto, antes da encarnação, no espaço, os Espíritos formam grupos ou famílias entrelaçadas pela afeição, simpatia e semelhança de inclinações. Por isso, eles se buscam reciprocamente.

A encarnação os separa momentaneamente, mas, ao voltarem ao mundo espiritual, novamente se reúnem como amigos que voltam de um viagem. Todavia, na reencarnação, é possível que constituam uma mesma família buscando o adiantamento mútuo.

Entre a família espiritual existe afeição real, de alma para alma, a qual NUNCA termina com a morte. Por outro lado, as afeições surgidas na matéria, corporais, dos sentidos ou, exclusivamente, por interesses, nada significam para os Espíritos. Entre famílias corporais poderão reencarnar Espíritos simpáticos ou não. Tudo depende do gênero de provas que devam experimentar para o progresso individual.

3. PÁTRIA

Finalmente, chegamos à ideia de pátria. E, para isso, vamos responder às indagações feitas no tópico família. Todos somos Espíritos, viemos do mundo espiritual e é para lá que retornaremos após a morte, pois, a alma é imortal e o processo evolutivo é perpétuo e contínuo.

O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo, conforme se depreende da Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita. O mundo espírita é o principal na ordem das coisas. O mundo físico poderia deixar de existir, poderia nunca ter existido e isso não altera a essência do mundo espírita. Ambos os mundos são independentes, pois cada um possui as leis naturais próprias que os rege. Há, contudo, uma incessante correlação e reação entre ambos, o que não desnaturaliza sua independência.

Por todo o exposto, é preciso ponderar e meditar com seriedade quando ousamos conceituar preconceituosamente homem de bem, família e pátria. É possível estar atraindo maiores responsabilidades que a suposição permita compreender.

Uberaba-MG, 20/10/2021.
Beto Ramos.

BIBLIOGRAFIA:
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.

MATERIAL DE APOIO:
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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

EXPIAÇÃO E PROVA NO ENSINO DOS ESPÍRITOS



O que é o Espiritismo?

Qual classificação o Espírita adotará?


Allan Kardec classifica a Doutrina Espírita como uma ciência da observação. Parte do movimento espírita brasileiro adota tese de que se trata de uma religião. E, uma parte desta parte, fundamenta o aspecto religioso numa interpretação livre de um artigo de Kardec sobre a questão na Revista Espírita de Dezembro de 1868. Outros também usam a opinião do Espírito Emmanuel na obra O Consolador.

No entanto, uma concepção contrária à classificação de Kardec implica na tensão permanente entre várias ideias acerca de temas doutrinários importantes. Por exemplo, começamos pela diferença clara entre o conceito de fé racional e fé religiosa.

No capítulo 19, item 7 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec traz o conceito de fé racional, que precisa ser lida conforme o preâmbulo da obra O Que é o Espiritismo onde há a definção de Espiritismo. Em 1868, na Revista Espírita de Dezembro, deixa claro porque o Espíritismo NÃO é uma religião.

Não admitindo o dogma da 'fé cega' e cultos de qualquer natureza, o Espiritismo não valida as práticas que se traduzem em verdadeiros cultos como se observa na atualidade de muitos grupos denominados espíritas. Para demonstrar as dificuldades que um concepção equivocada provoca trazemos uma tensão bastante comum: o livre-arbítrio preconizado na Doutrina Espírita e a ideia da "reencarnação compulsória".


Quanto ao livre-arbítrio, o Espiritismo preconiza que o ser humano possui um círculo onde pode se mover livremente. Esse movimento é limitado pelas Leis Naturais (Rev. Esp., PDF, FEB, 1866, pg. 214). No entanto, é preciso ter em conta a lei moral do progresso, que mostra que o ser humano é quem se coloca em condições de ampliar esse seu círculo de ação.

É importante recordar que, segundo o Espiritismo, o objetivo da encarnação é colocar o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação (Q. 132, LE). Durante esse processo, acertando e errando, o Espírito poderá ser tanto um Espírito de um assassino arrependido (Rev. Esp., Março de 1858) quanto o Espírito de endurecido de uma rainha (Rev. Esp., Março de 1858).

O certo é que há meios, conforme as Leis Naturais, para  provocar que o Espírito escolha uma existência que lhe servirá ao progresso. No processo de escolha poderá haver uma intervenção natural quando o Espírito, por inferioridade ou má vontade, está incapaz de compreender o que lhe será mais útil.

Veja que trata-se dos casos onde o Espírito ignora o objetivo preconizao da encarnação dos Espíritos (melhoramento). É que, muitos desconhecem o fato de que são as tribulações e as vicissitudes que despertam sua inteligência e provoca o seu avanço.

A encarnação (Q. 132, LE) constitui o meio adequado para o Espírito adquirir conhecimentos e progredir, e, também para reunir as condições necessárias que propiciam ampliar o leque de escolhas. Nessa situação o Espírito experimenta uma espécie de relativização do seu livre-arbítrio. 

Não por pena ou castigo, mas porque é impossível burlar a Lei Natural da reencarnação (Q. 262 e 262.a, LE). Os endurecidos e os ignorantes precisam de auxílio para fazer UMA ESCOLHA com conhecimento de causa (item 8, cap. 5, ESE). É um processo educativo. A escolha não deixa de ser feita pelo Espírito e não há suspensão do livre-arbítrio. Ele apenas recebe a ajuda de Espíritos mais experientes e, assim, adquira condições necessárias para fazer uma escolha com conhecimento de causa.

Chegamos à questão: não está aí o processo da reencarnação compulsória? Esse termo está presente em algumas obras mediúnicas. A ideia central por trás da compulsoriedade é que reencarnação serve para 'pagamento de débitos oriundos de vidas passadas'. Se foi mal é castigado com uma reencarnação rude e se foi bom a reencarnação é como uma recompensa. Isso é fruto daquela compreensão do Espiritismo como religião.

Tanto pior quando busca-se reconhecer um caráter/aspecto híbrido ao Espiritismo: ao mesmo tempo ciência e religião. É o que se percebe quando se verifica a explicação de que a compulsoriedade decorre da causa, que seria a ação do Espíritos, a qual resulta no efeito: a reação

Mas essa não é a tese espírita. O Espiritismo preconiza que o Espírito reencarna em um gênero de prova que lhe seja útil, sempre com conhecimento de causa. Quando não possui elementos para escolher é AUXILIADO nesse processo. Não é nada compulsório, uma vez que "Deus sabe esperar, não precipita a expiação" (Q. 262.a, LE). Na prática, os Espíritos reencarnam para aprender a fazer escolhas certas. No processo, erra bastante e aprende muito.

Pensando em como Allan Kardec classifica o Espiritismo (ciência ou religião) tem-se a premissa para julgar os fatos. Convidamos para avançar na reflexão e observar os apontamentos seguintes.

A construção teórica sobre a encarnação e as leis naturais no Espiritismo não reflete a ideia de que os Espíritos estão sujeitos a sofrer essa ou aquela situação reencarnatória como um castigo ou reprimenda (essa tese religiosa é totalmente refutada na Obra O Céu e o Inferno). Depreende-se que o Espírito é instruído a fazer uma escolha com conhecimento de causa, na modalidade colegiada, como fundamentado acima.

Isso somente ocorre quando o Espírito não reúne condições para fazer a melhor escolha, pois, em regra "sua atenção estando incessantemente voltada para as consequências desse mal, ele compreende melhor os inconvenientes do seu procedimento e é levado a corrigir" (As penas futuras segundo o Espiritismo, item 7, OCI).

A tensão provocada pela classificação atribuída ao espiritismo, se ciência ou religião, pode conduzir ao erro de se adotar a posição de um Espírito em detrimento de princípios doutrinários. É o caso de se pensar na compulsoriedade de uma reencarnação tendo como premissa uma dívida passada. Isso, não só relativiza o livre-arbítrio, mas o anula.

É que o Espiritismo se fundamenta num conjunto harmônico de princípios em que um não anula o outro. A reencarnação proporciona ao Espírito os meios para sua evolução, contínua e perpétua, o que ocorre nas sucessivas reencarnações, por meio das escolhas do seu lívre-arbítrio e numa variedade de habitações cósmicas.

O que fazer quando se está diante de uma informação diferente da tese Espírita? É necessário verificar se o Espírito que trata do assunto traz uma opinião pessoal ou não. Para tanto, Kardec criou e indicou um método de análise das comunicações quando estas se referirem à questões de interesse geral ou doutrinárias, conforme a figura a seguir:


O tema reencarnação compulsória está presente em obras do Espírito André Luiz. Sem faltar com respeito ao Espírito, mas em razão da argumentação que sustentamos nesse artigo, importa destacar que, segundo o Espírito Emmanuel  no prefácio da obra Os Mensageiros, há uma sugestão para receber as informações de André Luiz como opiniões pessoais. Emmanuel usa o exemplo de um chimpanzé guindado ao palácio, que fala sobre o palácio, as pessoas e os costumes para os outros chimpazés que ficaram na floresta. Suas informações serão fruto da sua compreensão de chimpanzé, sem qualquer salto evolutivo.

Para esses casos convem usar sempre o método de Kardec para conferir autoridade à doutrina espírita que, não sendo concepção puramente humana e nem transmitida por um único Espírito, carece de controle da sua universalidade. O controle universal do ensino dos Espíritos (O Evangelho Segundo o Espiritismo) é o meio pelo qual se observa a força do Espiritismo. Trata-se de uma maneira de afastar a imprudência de aceitar uma opinião pessoal.

O que tudo isso tem a ver com a definição de expiação e prova segundo o ensino dos Espíritos? A concepção que se faz do Espiritismo, se religião ou ciência, faz toda a diferença na compreesão dos institutos ora tratados. A aceitação cega sem aplicação do método de Kardec para informações provenientes do mundo espiritual está atrelada à essa concepção. Toda a inferência acima sobre a tensão entre livre-arbítrio e reencarnação compulsória nos conduz a esse tema. Vejamos!

Partindo da teoria espírita chega-se a um resultado racional, o que não é possivel a partir de uma concepção religiosa. Ainda que sob a argumentação de que a fé, agora, é racional. Pela concepção religiosa expiação e prova se tornam subproduto da lei de causa e efeito, que desagua noutra: a de ação e reação.

Diante da tensão, é necessário perguntar:
a. Há lei de causa e efeito no Espiritismo?
b. Nesse caso, os Espíritos são regidos por uma lei de karma ou destino?

Kardec define causa e efeito n'O Evangelho Segundo o Espiritismo como um axioma e não como uma lei (cap. 5, item). Um axioma é usado para explicar o que é indemonstrável, como DEUS e a CRIAÇÃO, por exemplo.

  • Sendo causa e efeito um axioma que explica o indemonstrável, não haverá presença de regularidade para o objeto que se quer explicar.
  • Se não é regular, não é lei. A lei é aquilo que define as relações constantes que existem entre fenômenos naturais. Lei se traduz em regra.

A evolução do Espírito está atrelada ao seu progresso intelecto-moral. A moral, objeto de estudo do Espiritismo, está muito bem definida pela Doutrina Espírita (Q. 629, LE). Em se tratando de moral, nada advém do mundo exterior, a não ser o conhecimento proveniente da relação que com ele se estabelece por meio dos sentidos físicos durante a encarnação.

É preciso considerar que, quanto às questões de moral, tudo se impõe ao Espírito por meio de sua razão, de sua consciência ou por determinadas condições ou circunstâncias. Os Espíritos, segundo o Espiritismo possuem liberdade de fazer as próprias escolhas. Nesse caso, a "causa e o efeito" só poderá ser consequência do uso do livre-arbítrio individual.

Indagamos: é regra que qualquer Espírito que faça a escolha 'a' obtenha o resultado 'b'? A resposta sensata, lógica e razoável é não.

Não se deve confundir a causa e efeito (axioma filosófico) com ação e reação (lei da física). O comportamento humano (agir conforme ou não com as leis da natureza) é resultado do conhecimento adquirido, de sua compreensão de bem e mal, das condições e circuntâncias que esteja diante, da consciência ou não dos atos segundo o conhecimento adquirido e da  sua compreensão deste.

Os Espíritos que procuram nova existência avaliam suas vidas anteriores, quais os erros cometidos e qual imperfeição é a causa dos seus sofrimentos. Estuda o que poderá lhe ajudar a não cometer essa ou aquela falta. Busca provas e expiações que acredita apropriadas ao seu adiantamento e se instrui junto a Espíritos que lhe sejam superiores (Q. 393, LE).

Há uma divisão entre prova e expiação? Segundo o Espiritismo não. Todos os problemas enfrentados na encarnação são oportunidades para corrigir erros passados, ao passo que são provas para o futuro. Tudo é aprendizado e não há uma regra absoluta para Espírito algum. Para induzir a uma possível identificação do gênero de existência precedente de um Espírito é mais seguro estudar suas tendências instintivas do aquilo que se julga ser a prova ou a expiação (Q. 399, LE).

Segundo anota Kardec o julgamento sobre o que fomos e o que fizemos está na esfera individual, isto é, um juízo do próprio Espírito encarnado (nota de Kardec à Q. 399). O que é util para o progresso do Espírito é o seu próprio estudo das imperfeições morais que precisa corrigir e não as físicas.

Por que o julgamento do outro é falho? Porque não há regras absolutas.

Há expiações que são frutos da existência atual que o Espírito experimenta. A ação humana tem como princípio o ato do dever. Trata-se da obrigação moral da criatura para consigo mesma primeiramente e, depois, para com os outros (O dever, Lázaro, ESE). O dever íntimo fica entregue ao livre-arbítrio e é regido pela consciência que, por vezes, é impotente diante das paixões. Ceder a elas não é nada anormal, mas parte do processo evolutivo.

A natureza moral do ato do dever exige que seja livre, consciente e racional da vontade. Essa atuação habitual se torna virtude e é esse o alvo que o Espírito busca atingir. Prova e expiação só podem resultar de escolhas livres do Espírito baseadas nos limites estabelecidos pelas Leis Naturais.

Expiação e prova são faces da mesma moeda. A primeira consequência de uma falta é reconhecê-la como tal. A partir daí o Espírito passa a desejar corrigir a imperfeição que lhe conduz a cometer a falta. Essa compreensão é fruto do estudo de si mesmo.

A expiação consiste em atravessar situações semelhantes a outras que já se experienciou, mas que sucumbiu ao erro. A prova está relacionada com o proveito que se almeja com o gênero escolhido, bem como da maneira como se suporta uma expiação.

Pode se afirmar que toda expiação é uma prova, mas, nem toda prova uma expiação. A causa dos males suportados pelo ser humano na terra está nele mesmo e resultam de suas imperfeições.

O caráter essencial da expiação reside na escolha livre do Espírito por uma existência que o auxilie a corrigir as imperfeições já reconhecidas, mas que ainda favorecem cometer erros.

O objetivo da expiação e da prova é o melhoramento do Espírito (Lei de Progresso). Para tanto, é preciso reconhecer o erro, arrepender, reparar e, então, expiar.

Se a forma de conceber a Doutrina dos Espíritos guardar relação com a concepção religiosa, prova e expiação guardará semelhança com castigo e recompensa. Com a ideia de céu e inferno. Porque as religiões compreendem um Deus antropomórfico que julga o indivíduo e lhe aplica, também, individualmente,  um castigo ou lhe dá uma recompensa. A moral, nesse caso é heterônoma. Dita-se um conjunto de regras que devem ser seguidas com a mediação de indivíduos que se tornam a voz do céu na Terra. Desta forma, nenhum mérito tem o Espírito, posto que está compelido por fatores exteriores e nunca movido pelo ato do dever livre, consciente e racional da vontade.

Se o Espiritismo for concebido como ciência, como preconiza Allan Kardec, prova e expiação assume o caráter pedagógico, de cunho individual, onde o ser, orientado pelas Leis Divinas, vai agindo, fazendo, não fazendo, tentando, errando e acertando, por meio de suas escolhas livres, que lhe proporcionará colher delas os seus frutos. A moral é autônoma. E a boa conduta é uma decisão individual do Espírito. Não há intermediário entre o indivíduo e Deus. Quando agir fazendo o bem, visando o bem de todos, foi movido por sua consciência em assim proceder. As regras que regem sua conduta são as Leis Divinas ou Naturais, mediadas pela compreensão que delas já atingiu.

Uberaba-MG, 05/10/2021.
Beto Ramos.

Fontes:
Kardec, Allan. Evangelho segundo o sspiritismo.
Kardec, Allan. O livro dos espíritos.
Kardec, Allan. O que é o espiritismo.
Kardec, Allan. O livro dos Médiuns.
Kardec, Allan. O céu e o inferno.
Kardec, Allan. Revista espírita.
Xavier, Francisco Cândido. Emmanuel. O consolador.
Xavier, Francisco Cândido. André Luiz. Missionários da Luz.
Xavier, Francisco Cândido. André Luiz. Nos Domínios da Mediunidade.
Xavier, Francisco Cândido. André Luiz. Ação e Reação.

DESTAQUE DA SEMANA

A DOUTRINA DOS ESPÍRITOS NÃO É ASSUNTO QUE SE ESGOTA EM UMA PALESTRA

  EM SUAS VIAGENS KARDEC MINISTRAVA ENSINOS COMPLEMENTARES AOS QUE JÁ POSSUIAM CONHECIMENTO E ESTUDO PRÉVIO. Visitando a cidade Rochefort, n...