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terça-feira, 23 de novembro de 2021

O ATO DO DEVER MORAL E A CARIDADE DESINTERESSADA

Quem não tem dúvidas, certamente, é porque não estuda. E, por falar nisto, vejamos quantas perguntas estão presentes apenas em uma proposta de reflexão. Por aqui, falando de ato do dever moral e a caridade desinteressada, podemos começar indagando:

  • O que é ato?
  • O que é moral?
  • O que é dever?
  • Onde podemos encontrar tais temas?

Partindo do final, esses temas pertencem à filosofia, à psicologia, ao espiritualismo racional e ao espiritismo, entre outras áreas do conhecimento e do saber.

Daí, outra pergunta: o que propõe o espiritualismo racional quanto ao ato, à moral e ao dever? Por que propõe? Qual a compreensão de moral anterior à proposta feita pelo espiritualismo racional?

Perceba que nossa jornada não será fácil. Vamos começar definindo e delimitando.

Ato, do latim actus, tem sentido de movimento; impulso. Ator é aquele que age, isto é, quem produz o ato. Esse, por sua vez, é o exercício da faculdade de agir. Ato, também considerado, pode ser o que se faz ou o que se deixa de fazer.

A ética definiu o ato como uma ação guiada por uma consciência livre e consciente. Outros campos, como filosofia e direito, também buscaram suas definições (se o leitor tiver interesse, busque o significado).

Quanto à moral, a filosofia ensina que se trata de cada um dos sistemas variáveis de leis e valores estudados pela ética. Tais leis e valores são diferentes conforme cada sociedade e seus comportamentos. Nessa categoria temos o que é proibido, permitido, desaconselhado, ideal e etc.

Segundo Kant, dever é o guia da AÇÃO MORAL do indivíduo. Nesse caso o indivíduo possui no dever o imperativo categórico. Fundado na raiz racional, o dever moral é um código de conduta auto imposto pelo indivíduo como um verdadeiro dever ser.

O dever moral, como sistema, é constituído basicamente pela VONTADE. Seu fundamento é a AUTONOMIA DA VONTADE, isto é, a liberdade.

Quando o estudante espírita se aprofundar na teoria espírita, cujo fundamento é o livre-arbítrio, vontade, autonomia, dever, moral, ato e ato do dever moral, não ficarão obscurecidos e serão facilmente compreendidos. Assim esperamos.

Importante destacar a evolução do pensamento recuperando a história. Igreja e religiões ancestrais pregavam, diversamente do espiritualismo racional e do espiritismo, uma MORAL DA SUBMISSÃO. O materialismo, como modelo de pensamento, defendia a MORAL DO UTILITARISMO. Em ambos os casos, como concepção, a MORAL era compreendida pelo prisma do INTERESSE. Nesse caso, o ser humano é passivo. Não há um ATO LIVRE, nem CONSCIENTE, isto é, todo ato visa a um interesse de quem age. Esse interesse se resume em angariar recompensa ou se livrar de um castigo.

O materialismo surgiu em face de uma tensão provocada pelo radicalismo fanático da igreja. E o motivo é bem simples: a igreja lutava contra a razão. Mas, ao seu turno, o materialismo vem como princípio da negação de tudo. Inaugura a incredulidade absoluta e com muita energia. É essa incredulidade que irá causar um vazio angustiante na sociedade (no caso da França, o período dessa tensão será caracterizado pela Revolução Francesa).

Nesse cenário de vazio e angústia o Espiritualismo Racional retomará o estudo das ciências morais a partir de uma psicologia experimental espiritualista (inédita e singular na história da ciência). O título Espiritualismo Racional foi usado para se diferenciar da tradição ancestral religiosa.

Esse movimento se caracterizou por:

  • Adotar a metodologia científica;
  • Buscar fazer com que o sucesso científico no estudo da matéria se repetisse no estudo do ser humano;
  • Compreender as leis naturais que fundamentam esse estudo.

Resumindo: substituir a fé cega por uma racional.

Importante ressaltar três momentos importantes para o movimento espiritualista racional, a saber:

a. O Espiritualismo Racional toma as ciências morais na universidade;

b. Passou a ser matéria fundamental da Escola Normal na formação de professores;

c. Segue como objeto de estudo, também, nos liceus e colégios franceses.

A partir daí, o movimento espiritualista racional seguiu pelo mundo, com destaque para Portugal, Espanha, países da América Latina e Brasil.

É preciso conhecer um pouco mais da história para fazer a correta conexão desse movimento com o Espiritismo, visto que a mesma é afirmada por Allan Kardec.

Falemos, então, sobre a moral da liberdade. Nem a submissão da igreja, nem o utilitarismo do materialismo. De um ser humano passivo, a moral racional busca um ser humano ativo e, portanto, propõe: 

"O ato moral é caracterizado por ser livre e consciente e é definido como o ATO DO DEVER, sem lugar para castigo ou recompensa".

Os pensadores do Espiritualismo Racional definem que o DEVER é o FUNDAMENTO da CARIDADE. É que, enquanto a JUSTIÇA é o cumprimento do dever (estabelecido pelo grupo social), a CARIDADE está LIVRE para AGIR sem vínculo a qualquer INTERESSE.

O bem moral supõe o bem natural que lhe é anterior e lhe serve de fundamento. Funciona assim: agir em prol de um bem moral é uma escolha racional, pois:

  • Não há busca de obediência a Deus, nem é resultado do medo ou do castigo;
  • Nada de imposição, seja por Deus ou pela sociedade.

O bem moral consistirá, conforme ensina Paul Janet (1886), em preferir:

  • O que há de melhor em nós em detrimento do que há de inferior;
  • Os bens da alma em detrimento aos bens do corpo;
  • A dignidade humana em detrimento da servidão das paixões animais;
  • As nobres afeições do coração em detrimento das inclinações de um vil egoísmo.
Indaga-se, nesse sentido: Onde está presente a LEI MORAL, uma vez que essa é o GUIA DO ATO DO DEVER MORAL?

Segundo se observará, está presente na natureza do ser, isto é, em sua consciência. Portanto, o pressuposto para o AGIR do indivíduo pelo BEM MORAL é que aceite a lei moral presente em sua consciência como verdadeira e lhe reconhecer a aplicação necessária em cada caso particular.

A consciência, lugar onde a lei moral está presente, é definida como a faculdade de reconhecer a lei moral e aplicá-la a TODAS as circunstâncias que se apresentem. Consciência é o ATO DO ESPÍRITO pelo qual aplicamos a um caso particular, a uma AÇÃO a se praticar ou já praticada, AS REGRAS GERAIS DADAS PELA MORAL.

O despertar dessas leis morais, presentes na consciência não surge como por mágica. As regras gerais da moral vão permear um conceito criado pelo Espiritualismo Racional: a regeneração da humanidade. Por ele se postula o direito primordial à educação ativa, que compreende:

  • A conquista de oportunidade para todos;
  • Criar um novo mundo, pelo ato solidário e pela nova educação transformadora.

São postulações por LIBERDADE, onde há direito de:

  • Pensamento (ensino livre);
  • Consciência (liberdade de crença); e,
  • Moral (dever).

É preciso recordar que o termo LIBERDADE é uma construção do pensamento liberal, o qual possui significado especial para o Espiritualismo Racional e para o Espiritismo.

O movimento liberal francês pretendia estabelecer no ambiente social uma RELIGIÃO NATURAL e um DEUS FILOSÓFICO, todo AMOR E JUSTIÇA, sem o exclusivismo das seitas que causa divisão. Trata-se, portanto, do LIBERALISMO ÉTICO. Aqui se compreende a ideia anterior, isto é, liberdades individuais da alma: de pensamento, de crença e de escolha do ato moral.

Em 1868, na Revista Espírita, Kardec afirmou que o Espiritismo é uma Doutrina Liberal. Essa doutrina preconiza:

  • Emancipar a inteligência pela liberdade de consciência;
  • Combater a fé cega por meio do livre exame como base essencial de toda crença séria.
É assim que a compreensão da expressão fora da caridade não há salvação, em Espiritismo, será compreendida como um princípio de união e fraternidade universais, único que pode por um termo aos antagonismos dos povos e das crenças.

Atualmente, a caridade é compreendida como sinônimo de assistencialismo. Para Kardec, o termo tinha outro significado. Baseado no Espiritualismo Racional representa o AGIR PELO DEVER. Uma ação livre, mas consciente, totalmente intencional, com plena compreensão da lei moral.

A caridade é um princípio orientador do AGIR INTEGRAL DO SER. Em Kardec não é atividade complementar, não é comportamento acessório. 

Como afirmado, a humanidade, para regenerar-se, sofrerá um despertar dessas leis morais presentes em cada consciência por meio da educação. O ato do dever, que é o fenômeno moral, é analisado pela MORAL TEÓRICA, uma das disciplinas estudadas nas universidades do século 19 na França em uma ciência filosófica: o Espiritualismo Racional.

Em 1864, na Revista Espírita, Allan Kardec afirmou que a MORAL DOS ESPÍRITOS superiores é a mesma dos espiritualistas racionais, isto é, A MORAL AUTÔNOMA, baseada no ATO DO DEVER, que é livre, consciente e VOLUNTÁRIO.

Indivíduos que escolhem novos hábitos, agindo por sua livre escolha de modo solidário, exercem o ATO DO DEVER e estabelecem a CARIDADE ao lado da JUSTIÇA.

Apesar da definição inicial é importante deixar claro: o que é o ato do dever ensinado para jovens, a partir de uma educação que o torna ativo e consciente do seu papel no mundo onde se busca a REGENERAÇÃO DA HUMANIDADE?

É o próprio AGIR do ser humano pelo ATO DO DEVER, que além de respeitar a justiça, PRATICA A CARIDADE, ou seja:

"proporcionar aos outros aquilo que desejaria pra si mesmo (a moral social)".

A MORAL PRÁTICA, nas ciências filosóficas admite a segunda divisão para os deveres:

  1. Deveres para com os animais;
  2. Para consigo mesmo;
  3. Para com os indivíduos; e
  4. Para com Deus.

Vamos encontrar correspondência entre essa proposta espiritualista racional em espiritismo. Essa classificação dos deveres, a divisão de temas e a abordagem conceitual da moral prática do Espiritualismo Racional estão presente na Doutrina Espírita. Na parte terceira de O Livro dos Espíritos, que trata das leis morais, encontraremos:

  • DEVERES PARA CONSIGO:
    - Lei do Trabalho

    - Lei de Conservação

    - Lei de Liberdade

  • DEVERES PARA COM OS OUTROS:
    - Deveres da família;

    - Casamento;

    - Pais, filhos, e sociais;

  • DEVERES PARA COM DEUS:
  - Imitação de Deus (buscar se aproximar de Deus indefinidamente);

    - Aperfeiçoamento do seu ser.


Para todos que conseguiram chegar até aqui, parabéns e obrigado.


NOSSA FONTE PRINCIPAL DE PESQUISA:

FIGUEIREDO. Paulo Henrique de. Autonomia - a história jamais contada do Espiritismo. São Paulo: FEAL, 2019 (exemplar digital Amazon).


Uberaba-MG, 23/11/2021.
Beto Ramos

ÉTICA, MORAL E SOCIEDADE...

 

Aristóteles falou, para Nicômaco, de uma ação voluntária e moral do indivíduo. Algo diferente da política.

Maquiavel observou com mais clareza a realidade e enxergou o essencial atrás de meras aparências, reconhecendo que a política é, antes de tudo, o exercício de escolha.

Weber, também, viu uma pseudo ética protestante se aliando ao "espírito" do capitalismo.

Mas, antes, Hobbes falou da matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil: seria o verdadeiro LEVIATÃ. Não obstante, acusar o ser humano de ser o "lobo" dele mesmo.

Platão sonhou com a República e Rousseau fundamentou esse contrato social.

Dividindo poderes, propondo estabelecer uma base harmônica do contrato na república, Montesquieu tratou de falar sobre o espírito das leis.

Nietzsche, observando tudo do alto daquilo que alguns entenderam como loucura, entreviu uma complexidade e, diferente de Aristóteles, buscou saber sobre a genealogia da moral: o que move o ser humano?

Kafka contou a história de um processo e Foucalt, diante de um julgamento histórico da civilização, cujo sistema é o de vigiar e punir os que teimam em mostrar que a igualdade plena se encontra nas diferenças, demonstrou a violência nas prisões.

Mas, contemporaneamente, é Bandeira de Melo que irá alertar: há um conteúdo jurídico no princípio da igualdade.

Se não amor e respeito bastante para compreender o conteúdo divino da igualdade entre os direfentes, os filósofos precisam continuar espalhando seu amor à sabedoria, pois, ainda agora, a CRISE DA HUMANIDADE É MORAL.

Uberaba-MG, 23/11/2021.
Beto Ramos.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

PERISPÍRITO, TRADUÇÕES E PESQUISAS EM FONTES PRIMÁRIAS.

 



(O uso, nas pesquisas, de traduções para o português sem confirmação nas fontes originais para confirmar a idoneidade das traduções).

INTRODUÇÃO

É do conhecimento geral que as obras fundamentais do Espiritismo foram escritas na língua francesa, especialmente, entre as décadas de 1850 e 1870. Portanto, todos os estudiosos que se debruçam sobre essas obras para fins de estudo e pesquisa, devem considerar adequadamente o material que estão utilizando.

Quando não buscam fundar suas investigações nos originais, devem evitar atitudes ingênuas, tais como considerar todas as traduções iguais e transposições fiéis do francês para o português.

Também, não se deve ler tais obras ao “pé da letra” sem estudar o universo em que ela surgiu. Crer que a tradução que possui está livre de erros e imprecisões, esta completamente clara e que utiliza palavras adequadas e não condicionadas pelas diferenças da língua original e da língua de chegada é atitude fundamentalista.

 

PRIMEIRA PARTE – NECESSIDADE DE CONFIRMAÇÃO – FONTES PRIMÁRIAS

Um exemplo interessante é a palavra castigo, muito utilizada pelos tradutores quando vertem do francês para o português. Nesse caso, vamos encontrar no original a questão 263, onde:

“L'Esprit fait-il son choix immédiatement après la mort? Non, plusieurs croient à l'éternité des peines; on vous l'a dit: c'est un châtiment”.

José Herculano Pires, na 70ª Edição, 02/2013, de O Livro dos Espíritos traduz a palavra châtiment como “castigo”. O mesmo autor, na mesma edição da tradução, verte a palavra frappe-t-il, também, como “castigo”.

Interessante notar que o significado para a primeira é punição e para a segunda temos atingir. Não é interessante pensar que se a ideia fosse, realmente, de “castigo”, o Codificador, como pedagogo não iria deixar isso bem claro? Mas, pesquisando o original o que temos é a dúvida quando comparamos com a ideia trazida pelo tradutor. Aqui não se discute a intenção do tradutor, a idoneidade do tradutor, a índole do tradutor, mas, a harmonia da obra codificada.

Mais sobre essas expressões francesas e suas possíveis traduções para o português você encontra nesse outro artigo aqui.

Recordamos que o centro da teoria espírita é a AUTONOMIA MORAL DO ESPÍRITO, fugindo das teorias que, refutando o livre arbítrio, afirmavam a MORAL HETERÔNOMA. Neste sentido, é importante refutar a palavra “castigo”, voltar ao sentido original e harmonizar o conjunto para que a tradução não perca a essência.

Ocorre o mesmo com outras teorias que temos encontrado. Nosso objetivo aqui não apontar que A ou B estejam errados. O importante é chamar a atenção para essas questões que se mostram de importância elevada para a compreensão correta da teoria espírita. Tudo no sentido de que por qualquer motivo sejam criadas teorias que não estão presentes na base fundamental do edifício espírita.


SEGUNDA PARTE – O PROBLEMA DAS TRADUÇÕES

Um grave problema com traduções é referente aos “textos mais fáceis” e os “textos mais difíceis”. Nesse caso faz-se a escolha pela comparação de duas ou mais traduções. Contudo, a escolha pelo mais fácil pode empobrecer a riqueza do texto original e até desvirtuá-lo[1]. É importante ter em mente o objetivo da publicação. Há as traduções que respeitam a forma linguística do original, mantêm repetições e redundâncias, busca na língua de chegada o melhor vocábulo pra traduzir o original, mesmo que seja uma palavra pouco usada.

O problema está nas que objetivam uma compreensão imediata. Essa tradução elimina tensões, repetições e redundâncias, altera estruturas frasais, usa vocabulário mais simples e, por vezes, supre palavras “faltantes”. Ora, eis aí um problema capital: quem é o autor original dessa obra?

Não queremos com isso afirmar que as traduções não têm o seu valor. Sim, todas as traduções possuem o seu valor, mas, é fato que NÃO SÃO TODAS IGUAIS. Umas servem a um tipo de estudo mais raso enquanto outras servem para reflexões mais profundas. A teoria espírita, enquanto objeto de tradução, não deve se prestar a atingir grupos populares, mas colocar à disposição de todos os leitores o manancial que emanou dos Espíritos superiores para que todos possam ter, para sua análise, a fidelidade do ensino original.

Recordando a questão de que duas palavras foram traduzidas para significar a mesma coisa (como apontado acima), quando se estuda profundamente uma tradução é importante saber que não existe: “é a mesma coisa com palavras diferentes”.

Se as palavras NÃO são as mesmas, já NÃO é mais a mesma coisa. Toda tradução reflete as opções ideológicas do tradutor, o que induz o leitor a uma ou outra interpretação do texto[2].

 

TERCEIRA PARTE – O PERISPÍRITO

O perispírito ainda suscita em muitos espíritas uma infinidade de dúvidas e, até mesmo, afirmações de muitos que chegaram a conclusões com fundamentos externos à Teoria Espírita. Recordamos que em se tratando de fundamentos doutrinários do Espiritismo qualquer informação recolhida fora das Obras Fundamentais deve passar pelo crivo da razão, bom senso e lógica, ou seja, Controle Universal do Ensino dos Espíritos, reclamando a concordância e sansão da maioria dos Espíritos (vários médiuns, Espíritos e classes, várias localidades, espontaneidade na comunicação e ausência de contato entre médiuns).

O mesmo não ocorre com as informações que estão em conformidade com o Ensino dos Espíritos Superiores que sancionaram, por maioria, os princípios e postulados espíritas cuja metodologia de recepção, escreve Allan Kardec, ocorreu de acordo com o item II da Introdução ao Evangelho Segundo o Espiritismo.

Não é incomum verificar afirmações de que o perispírito modela o corpo físico do Espírito reencarnante. Neste sentido, para fins de investigação, recordamos os itens 10 e 11 do Capítulo XI – Gênese Espiritual – cujo título é União do Princípio Espiritual e da Matéria. Com o objetivo de que Espírito pudesse agir e assim desenvolver suas faculdades, sendo a matéria o objeto de sua atividade, foi necessário que o mundo material lhe fosse lugar para sua habitação. Ao contrário de experimentar a união com a pedra rígida, Deus facultou aos Espíritos o uso de corpos organizados, flexíveis e capazes de receber todos os impulsos de sua vontade, prestando-se a todos os seus movimentos. Foi desta maneira que Kardec afirmou:

“O corpo é, ao mesmo tempo, invólucro e instrumento do Espírito e, à medida que este adquire novas aptidões, reveste-se de um corpo apropriado ao novo gênero de trabalho que deve realizar, como se dá a um operário ferramentas menos grosseiras à medida que ele seja capaz de fazer uma obra mais delicada” [3].

Não há dúvidas de que o corpo, envoltório do Espírito, é o seu instrumento de manifestação no mundo material ou, como mostra a citação acima, é o seu instrumento de trabalho. Mas, fica a indagação: se todas as coisas estão sujeitas à Lei do Progresso como se elabora o corpo físico pelo qual o Espírito irá se manifestar? Então, o Codificador vai direto ao ponto e afirma:

“Para ser mais exato, é preciso dizer que é o próprio Espírito que elabora seu envoltório e o adapta às suas novas necessidades. Ele aperfeiçoa, desenvolve e completa seu organismo à medida que experimenta a necessidade de manifestar novas faculdades. Em uma palavra, ele o molda de acordo com sua inteligência[4].

É ainda nesse mesmo texto que Allan Kardec afirmará que Deus fornece os materiais e o Espírito o usa, o que explica o estilo especial que o caráter do Espírito imprime aos traços da fisionomia e as maneiras do corpo. Interessante salientar que o Espírito, para o seu adiantamento, usa suas faculdades que são rudimentares no princípio e se recobre de um envoltório corporal adequado ao seu estado de infância intelectual, deixando-o para se revestir de outro à medida que suas forças vão aumentando. Mas, é no item 17, Encarnação dos Espíritos, que a obra A Gênese trará muitas informações importantes que devemos nos apropriar para esse ensaio.

“Por sua essência espiritual, o Espírito é um ser indefinido, abstrato, que não pode ter uma atuação direta sobre a matéria, sendo-lhe necessário um intermediário, que é o envoltório fluídico, que faz, de certo modo, parte integrante do Espírito, revestimento semimaterial, isto é, pertence à matéria por sua origem e à espiritualidade por sua natureza etérea” [5].

Interessa notar que Kardec afirma que é o perispírito que torna o Espírito (um ser abstrato), um ser concreto, definido e perceptível pelo pensamento, apto a atuar sobre a matéria tangível. Daí se conclui que o Espírito age sobre a matéria por intermédio do perispírito. Importa não deixar escapar uma explicação, também, muito importante, na qual Kardec ensina que o perispírito:

“Durante sua união com o corpo, é o veículo do pensamento do Espírito para transmitir movimento às diferentes partes do organismo, as quais atuam sob o impulso de sua vontade, e para repercutir no Espírito as sensações produzidas pelos agentes externos. Têm por fios condutores os nervos, como no telégrafo o fluído elétrico tem por condutor o fio metálico” [6].

Passamos, agora, para o ponto crucial de nosso ensaio em que vamos citar o item 18 da Obra A Gênese – Capítulo XI – Gênese Espiritual, cujas informações são de grande valia para nossa compreensão acerca da questão: o perispírito modela o corpo físico? Ora, como mencionamos no princípio, não é incomum ver afirmações dessa natureza. Está ela de acordo com a Codificação? Vejamos:

“Quando o Espírito tem de encarnar em um corpo humano em vias de formação, um laço fluídico, que é apenas uma expansão de seu perispírito, liga-se ao embrião, para o qual ele se acha atraído por uma força irresistível desde o momento da concepção” [7].

Necessário atentar para a informação: o corpo humano está em “vias de formação” e o embrião atrai o Espírito por força irresistível para esse. O corpo, nesse caso, atrai o Espírito e a ligação ocorre pelo seu veículo de pensamento que transmite movimento para as diferentes partes do organismo em formação.


Há mais para analisarmos, uma vez que Kardec afirma que “á medida que o embrião se desenvolve, o laço se estreita” [8]. Portanto, o embrião está SE desenvolvendo pelas leis que regem a matéria (temos aí a questão relativa ao patrimônio genético e à biologia). Mas, como se dá o processo de união entre ambos? Vejamos no texto:

Sob a influência do princípio vital material do embrião, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une molécula por molécula com o corpo que se forma” [9].

Importante ressaltar antes de prosseguir que é necessário compreender que, ao tempo de Kardec, não era amplamente divulgado o fato de o corpo físico se constituir de células, como unidades fundamentais da vida pluricelular (conf. nota 129 da tradução de A Gênese ora utilizada – p. 228). Então, é nesse sentido que se deve compreender tal ligação.

Ora, aqui temos um manancial importante para meditarmos, pois, é o próprio Codificador quem vai dizer: “por isso, podemos dizer que o Espírito, por intermédio do Perispírito, se enraíza nesse embrião, como uma planta na terra. Quando o embrião está inteiramente desenvolvido, a união está completa, e ele nasce para a vida exterior” [10]

Destarte, cumpre recordar que o perispírito tem origem material e natureza espiritual, mas, desprovido de vida, pois, como ensina o Codificador, trata-se de “veículo de transmissão do pensamento do Espírito para transmitir movimento às diferentes partes do organismo, as quais atuam sob o impulso de sua vontade[11]”. Em se tratando de modelagem do corpo, nos parece que Kardec foi enfático em declarar que essa ação é do Espírito sobre a matéria. Seu pensamento é transmitido pelo perispírito. 

Para nossa análise é compreensível que o caráter do Espírito possa imprimir um estilo todo especial aos traços da fisionomia e às maneiras do corpo, conforme ensina Allan Kardec. Todavia, é possível permanecer a dúvida: como isso ocorre se o Espírito sofre perturbação ao iniciar o processo reencarnatório por meio da ligação feita pelo laço fluídico que o une ao corpo? Essa questão é prontamente respondida pelo Codificador, senão vejamos:

“Preso ao laço fluídico que o une ao embrião, a perturbação se apodera dele, aumentando à medida que o laço se estreita e, nos últimos momentos, o Espírito perde a consciência de si mesmo, não sendo, jamais, testemunha consciente de seu nascimento" [12].

Temos a seguinte situação: o feto atrai o Espírito que a ele se liga na concepção pelo laço fluídico. Se, é por esse laço que o Espírito manifesta a vontade para o corpo através de seu pensamento, lícito será avaliar que do mesmo modo em que o caráter do Espírito imprime um estilo especial aos traços da fisionomia e as maneiras do corpo, envia, também, pelo pensamento todas as informações que serão usadas pelos corpúsculos celulares que estão formando o corpo físico e tal processo não é lento ou demorado, pois, para os Espíritos o pensamento é tudo. 

Não é plausível confundir perturbação com a total perda de consciência, e nem esquecer que o primeiro ensinamento quanto esse tema em que se reporta o Codificador é que é o Espírito quem elabora seu organismo, isto é, ele molda o corpo físico (item 11, Capítulo XI – Gênese Espiritual – A Gênese). Neste sentido, plausível considerar que ele o faz por intermédio do veículo de seu pensamento: o perispírito. Mas, esse nada faz por “vontade própria”, é instrumento semimaterial criado pelo Espírito, retirado do fluido cósmico, destrutível e trocado pelo Espírito à medida que evolui. 

Mas, teríamos nós outras fontes na Codificação onde buscar corroborar com a impossibilidade de ocorrer o contrário, isto é, o perispírito moldar o corpo físico sem a vontade manifesta pelo pensamento do Espírito? Eis que surge na Tradução da Revista Espírita de Maio de 1858 uma explicação que pode confundir o leitor. Vejamos:

“Mas essa matéria sutil não tem a tenacidade nem a rigidez da matéria compacta do corpo; é se assim nos podemos exprimir, flexível e expansível; por isso a forma que toma, embora calcada sobre a do corpo, não é absoluta” [13].

Vejamos o significado da expressão calcada, do verbo calcar. Segundo nosso Dicionário Escolar da Língua Portuguesa LUFT da editora ática (2005), temos:

CALCAR: pisar com os pés; esmagar; comprimir; Decalcar, modelar;

Pensamos que essa expressão pode confundir e levar o leitor a considerar que o perispírito modela o corpo físico, uma vez que é possível encontrar essa expressão em nosso vernáculo conforme demonstrado. Contudo, neste ensaio buscando-se no original em Francês da Revue Spirite Mai 1858 vamos encontrar o seguinte:

c'est pourquoi la forme qu'elle prend, bien que calquée sur celle du corps, n'est pas absolue;”

Que, para nossa surpresa, vamos encontrar uma informação que faz toda a diferença para nossa compreensão. Vejamos:


“é por isso que a forma que assume, embora modelada na do corpo, não é absoluta”.

Chama nossa atenção a tradução que nos induz pensar que o perispírito é apertado sobre a forma do corpo, modelando-o, quando, na tradução ora apresentada temos que a forma perispiritual é modelada na forma do corpo físico.

É assim que nós entendemos neste ensaio, pois, há uma sensível diferença entre “apertar a forma perispiritual sobre a forma do corpo” (que induziu a ideia de ‘perispírito modelando o corpo') com 'a forma perispiritual é modelada na forma do corpo'.

Corrobora com nossa teoria, segundo o até aqui apresentado, uma Tabeleau de l’avie Spirite (Quadro da Vida Espírita) onde o Codificador nos apresenta a seguinte afirmação:

“mais ce corps n’a pointe nos organes et ne peut ressentir toutes nos impressions”.

Tradução:

“este corpo não possui nossos órgãos e não pode sentir todas as nossas impressões”.

Ora, se fosse, digamos assim, o modelador do corpo físico, seria lícito raciocinar que seriam “impressos” todos os órgãos também. Ocorre que a frase anterior a essa ora mencionada elucida, a nosso ver, o conjunto de indagações, uma vez que no original temos:

“L'enveloppe semi-matérielle de l'Esprit constitue une sorte de corps d'une forme définie, limitée et analogue à la nôtre”

Onde:

“o invólucro semimaterial do Espírito constitui uma espécie de corpo de forma definida e limitada, análoga à nossa”.

Segundo o mesmo dicionário anteriormente citado vamos encontrar para análogo (a), expressão relativa à analogia, o seguinte significado: semelhança entre duas coisas sob certos aspectos. Análogo não é, sem qualquer dúvida, a mesma coisa. A analogia citada é quanto a se tratar de uma forma definida e limitada, contudo, o corpo físico é de matéria rígida enquanto o perispírito é flexível e expansível.

Não é razoável pensar que perispírito e corpo físico se prestam ao mesmo papel, tal qual é a ideia de que ambos possuam órgãos. Construímos nosso pensamento sobre três aspectos:

a) Deus teria criado uma dessas formas inutilmente e Deus nada cria que não tenha propósito;

b) Qual a explicação racional para existência dos mesmos órgãos para manifestação do Espírito na matéria e no mundo espiritual?

c) Acaso exista explicação plausível para a indagação anterior, Allan Kardec errou ao afirmar que a matéria tinha que ser o objeto da atividade do Espírito para o desenvolvimento de suas faculdades e, por isso, teria que habitá-la usando corpos organizados para sua manifestação e ação. Simplesmente porque por meio do perispírito o ser faria tudo que faz na matéria.

Além do mais, se uma possível resposta advier da hipótese de que o Espírito usa o perispírito para sua manifestação no mundo espiritual e lá age e manifesta tal qual no material, volta-se à letra “c” acima, pois, perde-se todo o sentido de que o mundo material é o lugar para desenvolvimento do Espírito, vez que o faria diretamente no mundo espiritual.

Em O Livro dos Espíritos, na Questão 93, há o seguinte ensinamento: o Espírito é envolvido por uma substância vaporosa para a visão dos encarnados ao mesmo tempo em que é grosseira para visão dos Espíritos. Na Questão 95 aprendemos que o perispírito possui a forma determinada e perceptível que o Espírito, por seu arbítrio, lhe atribuir.

Neste caso, se cada Espírito atribui, por sua livre escolha, a forma que desejar ao seu perispírito, não faz sentido pretendermos que o perispírito possua órgãos tal qual o corpo físico, o qual possui rigidez para sustentar sua organização densa.

Para demonstrar que equívocos podem ser cometidos sem uma análise profunda trazemos à colação uma pergunta e sua resposta constante da RE/JUL/1858, edição da FEB (em PDF), pg. 279, onde o diálogo se desenvolve como abaixo:

7. Foi-nos dito ultimamente que os Espíritos não têm olhos; ora, se essa imagem é a reprodução do perispírito, como foi possível reproduzir os órgãos da visão?

Resp. – O perispírito não é o Espírito; a aparência, ou perispírito tem olhos, mas o Espírito não os possui. Já vos disse bem, falando do perispírito, que eu estava vivo.

Perceba que se afirma na questão que foi dito que os Espíritos não possuem órgãos da visão e, discutindo sobre uma imagem fotográfica do perispírito, questionou-se como a imagem apresentava ditos órgãos. O Espírito esclarece que o Espírito não possui órgãos, que a imagem era do perispírito e que “este tem olhos”.

Se usarmos apenas essa fonte sem qualquer questionamento é possível pensar que o perispírito possui órgãos. Mas, o Espírito comunicante faz importante afirmação: “Já vos disse bem, falando do perispírito, que eu estava vivo”.

Indo a fundo na resposta, também, extraímos a afirmação do Espírito de que a aparência, ou perispírito tem olhos”. Nesse caso, é importante recordar o significado de aparência que é: a configuração exterior de algo; aquilo que se mostra imediatamente; aspecto; exterioridade enganosa; falso indício; ilusão; dimensão superficial, exterior, ilusória da realidade, que corresponde, no âmbito da cognição humana, a todos os obstáculos que impedem a percepção plena da verdade.

Portanto, o Espírito não fez uma afirmação peremptória de que há órgãos no perispírito, mas, uma aparência, isto é, uma ilusão, um aspecto ou dimensão superficial. E a consideração que se faz é, exatamente, pela afirmação peremptória do Espírito: “Já vos disse bem, falando do perispírito, que eu estava vivo”.

Ora, nada mais é que a aparência do perispírito era do corpo físico e não do Espírito. Neste sentido, a aparência exterior tem aspecto de órgãos, mas, não é um órgão. Na Revista Espírita de Dezembro de 1858 (FEB, PDF, pg. 503), falando sobre sensações nos Espíritos, Allan Kardec escreve o seguinte:

“Outro tanto não acontece com os de perispírito mais denso, os quais percebem os nossos sons e odores, não, porém, apenas por uma parte limitada de suas individualidades, conforme lhes sucedia quando vivos. Pode-se dizer que, neles, as vibrações moleculares se fazem sentir em todo o ser e lhes chegam assim ao sensorium commune, que é o próprio Espírito, embora de modo diverso e talvez, também, dando uma impressão diferente, o que modifica a percepção”.

Ora, a razão nos diz que o Codificador, quando explica que as percepções do Espírito não ocorrem por meio de uma parte limitada de sua individualidade, como acontece com o corpo físico que possui tais partes individualizadas (ouvir, ver, sentir, etc.), traça uma diferença capital entre perispírito e corpo físico e suas respectivas constituições.

Produzido como ensaio, não se objetivou neste artigo esgotar o tema, mas, provocar no leitor a vocação para a pesquisa.


Uberaba-MG, 18/11/2021
Beto Ramos.
 

[1] DIAS DA SILVA, Cássio Murilo. Leia a Bíblia como literatura. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

[2] DIAS DA SILVA, Cássio Murilo. Leia a Bíblia como literatura. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

[3] KARDEC, Allan. A Gênese. (cf. a 1ª edição francesa de 1868). Trad. Carlos de Brito Imbassay. 2ª Edição. FEAL: Guarulhos-SP, 2018, pg. 224/225.

[4] KARDEC, Allan. A Gênese. (cf. a 1ª edição francesa de 1868). Trad. Carlos de Brito Imbassay. 2ª Edição. FEAL: Guarulhos-SP, 2018, pg. 225.

[5] KARDEC, Allan. A Gênese. (cf. a 1ª edição francesa de 1868). Trad. Carlos de Brito Imbassay. 2ª Edição. FEAL: Guarulhos-SP, 2018, pg. 227.

[6] Idem, pg. 228.

[7] Ibidem.

[8] KARDEC, Allan. A Gênese. (cf. a 1ª edição francesa de 1868). Trad. Carlos de Brito Imbassay. 2ª Edição. FEAL: Guarulhos-SP, 2018, pg. 228.

[9] Idem.

[10] Ibidem.

[11] Ibidem.

[12] Idem, pg. 229.

[13] Revista Espírita. Maio de 1858. Teoria das Manifestações físicas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. FEB (em PDF), pg. 194/195.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

A HISTÓRIA RECUPERADA DO ESPIRITISMO

 

Se pesquisarmos entre os espíritas quanto à origem da Doutrina Espírita, certamente, a maioria responderá que provém do ensinamento dos Espíritos superiores. Não é possível negar-se a idoneidade da informação quando encontramos a afirmação de Kardec quanto a O Livro dos Espíritos constituir-se em compêndio de seus ensinamentos que, escrito por ordem e sob ditado daqueles, estabelecem os fundamentos de um filosofia racional, contendo a expressão de seu pensamento e sofrido o seu controle.

Mas, seria lícito afirmar que tudo provém dessa única fonte? Na mesma obra citada, percebe-se o uso da expressão filosofia espiritualista logo na sua contracapa. Além de constar na introdução ao estudo da doutrina espírita que:

"Como especialidade "O Livro dos Espíritos" contém a Doutrina Espírita; como generalidade liga-se ao Espiritualismo, do qual apresenta uma das fases. Essa a razão porque traz sobre o título as palavras: Filosofia Espiritualista".

Se o Espiritismo é uma das fases do Espiritualismo, ao qual é ligado, como empreender o estudo do Espiritismo com parcial ou total desconhecimento do Espiritualismo? Eis aqui o equívoco que cometemos há muito tempo. Esse tempo de ignorância precisa ficar no passado e constar somente nos arquivos e anais da história do Espiritismo. Quanto a nós, vamos buscar contribuir para iluminar o debate.

O pesquisador Paulo Henrique de Figueiredo vem desempenhando importante papel no resgate da teoria moral espírita. Do seu AUTONOMIA: A HISTÓRIA JAMAIS CONTADA DO ESPIRITISMO, vamos extrair preciosas informações para contribuir com o retorno das águas do Espiritismo ao seu curso natural.

É preciso remontar ao ambiente francês criado pelo iluminismo que prepara ideias revolucionárias, de onde surge o rompimento radical com as teorias da igreja com o aparecimento das ideias materialistas que, mesmo com a tentativa de retorno ao regime antigo, um grupo denominado ideólogos passaram a determinar a produção do conhecimento universitário e conduziram o pensamento filosófico para o campo do ceticismo materialista.

Como os materialistas explicariam a existência humana?

Investigando o fenômeno do comportamento humano por meio de análises psicológicas das faculdades humanas, estudando a linguagem, o juízo e a vontade, perceberemos que na busca da origem e a extensão do conhecimento humano surge a ideologia como ciência. A princípio, investigando o ato de pensar, teorizou-se que estaria associado ao juízo, como um sentir que há relação entre as coisas, com o desejo, como um sentir que quer algo, e com a sensação, com um sentir algo atual e presente por meio dos órgãos. Concluindo, desse modo, que sentir é o mesmo que existir.

Para tanto, envolveria a solução denominada motilidade, importando em sentir a diferença entre o "objeto externo" e "si mesmo". A formação da personalidade humana resultaria de uma cadeia de ideias no conhecimento das coisas. O indivíduo, zerado no nascimento, tornaria pensante pelos hábitos que se condicionou pela repetição.

Percebemos aí a inexistência do senso moral e a desnecessidade de fazer o bem aos outros sem limites.

Por fim, o ser humano estaria em busca da satisfação de seus desejos, movido apenas pelo instinto de preservação, comandado pela dor e pelo prazer. Nesta escola de pensamento a educação forma personalidade e comportamento por meio de punição e recompensa, no interesse da sociedade.

Mas, não podemos perder de vistas: estamos no campo do pensamento científico.

Não havia motivos, até então, para que se fizesse oposição a argumentos lógicos e razoáveis. No entanto, surgirá uma crise. É nesse momento que há mudança de paradigmas, pois, a teoria que parecia estar completa apresenta-se equivocada, uma vez que não explica fenômenos que fazem parte do seu objeto de estudo. A mudança de paradigma é resumida assim por FIGUEIREDO: "[...] a ciência do homem após a Revolução Francesa evoluiu de um corpo que pensa porque sente, para uma alma que pensa usando o corpo como seu instrumento". (grifo nosso).

Segundo FIGUEIREDO, Maine de Biran (1766-1824), questionará a teoria da motilidade, pois, desafiado pelo Instuto da França (1802) a responder qual a influência do hábito sobre a faculdade de pensar?, partindo da hipótese materialista, reconhece na fisiologia os intrumentos da sensibilidade, mas vendo o ser humano como alma e corpo, reconhecerá que as faculdades são da alma e não do corpo. Esse pensador conceituará o ser humano como duplo, ativo e livre. Para Biran o ser humano é uma alma encarnada.

Nesse reduzidíssimo resumo, sem qualquer ideia de esgotar, mas, na esperança de impulsionar a investigação da ciência, pode-se perceber que há toda uma psicologia precursora do Espiritismo. Não podemos estudar o Espiritismo com a visão de nosso tempo.

É preciso contextualizá-lo no período que antencedeu e mesmo durante o século 19. Várias ideias antes elaboradas e muitos conceitos fundamentais que já estavam desenvolvidos foram tomados como base por Allan Kardec.

Se buscarmos estudar a ciência filosófico-espírita vamos encontrar todo um mundo desvendado por Kardec. O mundo das consequências morais, a partir do reconhecimento do Espírito como a "alma desencarnada".

O método da observação, ao seu turno, também não é orginal do Espiritismo, mas foi por ele que Kardec passou à observação dos fenômenos espíritas.

Em breve faremos novas incursões e traremos mais informações relevantes, principalmente o fato de que jovens e adultos estudavam o Espiritualismo Racional como currículo escolar na França do século 19.

FONTE: FIGUEIREDO, Paulo Henrique de. Autonomia: a história jamais contada do espiritismo. São Paulo: FEAL, 2019.

Uberaba-MG, 03/11/2021.
Beto Ramos

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

HOMEM DE BEM, FAMÍLIA & PÁTRIA, SEGUNDO O ESPIRITISMO


"Os maiores enganos do ser humano são provenientes dos sofismas das paixões".






1. O HOMEM DE BEM

Nos "Colóquios de Sócrates com seus Discípulos" (in Resumo da Doutrina de Sócrates e Platão, Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução, Allan Kardec), quando encontrava-se na prisão, acusado que fora, entre outras coisas, de corromper os jovens, o filósofo declarou:
“Vês, Cálicles, que nem tu, nem Pólux, nem Górgias podereis provar que devamos levar outra vida que nos seja útil quando estivermos do outro lado. De tantas opiniões diversas, a única que permanece inabalável é a de que mais vale receber do que cometer uma injustiça e que, acima de tudo, devemos cuidar, não de parecer, mas de ser homem de bem”.

Desde a antiguidade a ideia da moral que deve reger a conduta humana está presente na história da evolução. Quem é o verdadeiro homem de bem? Eis a questão. Segundo a Doutrina Espírita, é aquele que cumpre a Lei de Justiça, de Amor e de Caridade, na sua maior pureza. Mas, como ocorre o processo? É algo interno, íntimo do ser, ou vinculado ao exterior e estranho aos sentimentos que o move?

No Evangelho Segundo o Espiritismo, para cumprir essa lei do modo mais sincero, é necessário que o indivíduo se interrogue acerca dos próprios atos, pesquisando se a violou ou não. Para tanto, no exame interno, observa:
  • Se não praticou o mal e se fez todo o bem que podia;
  • Se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil;
  • Se ninguém tem qualquer queixa dele;
  • Se fez ao outro tudo o que deseja que o outro lhe faça.

É claro que estamos tratando de um indivíduo cuja fé é em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria, o qual não busca forças em coisas ou pessoas, pois, conhecendo a soberania do Criador, submete-se à suas Leis Naturais. E sua base é o conhecimento de que a alma é imortal, por isso coloca os bens espirituais acima dos bens materiais.

Trata-se da consciência da vida espiritual. O verdadeiro ser humano de bem sabe que todos os problemas da vida, tais como as dores, decepções, etc., são provas ou expiações e, certo de que tudo é fruto das próprias escolhas, ações ou omissões, com consciência, as aceita sem murmurar.

Percebe-se que esse modelo de indivíduo está possuído por caridade e amor ao próximo e se elevou, em grau, na escala espírita. O ser humano de bem é impulsionado pelo amor ao próximo, pois, cuida primeiro dos interesse dos outros. Ele faz o bem pelo bem e não espera nada em troca. Até o mal, retribui com o bem.

O homem de bem é bom, humano e benevolente com todos. Em qualquer ocasião toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica sempre os seus interesses para fazer prevalecer a justiça. Por isso, encontra felicidade nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, na felicidade que leva aos outros, nas lágrimas que enxuga e nas consolações que espalha aos aflitos.

Não é difícil perceber que o verdadeiro 'homem de bem' NÃO É PRECONCEITUOSO, pois, respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança críticas aos que não pensam como ele. Claro está que não faz qualquer distinção de etinias ou crenças. Vê todos os demais como irmãos.

Guiado pela caridade, não alimenta ódio, rancor ou desejo de vingança. Perdoa e esquece as ofensas, lembrando apenas do bem que recebeu. Sua consciência é clara acerca da sorte que aguarda o que prejudica o outro com ofensas, ferindo o ponto fraco alheio com orgulho e desprezo, principalmente, quando é possível evitar. Sabe que quem causa sofrimento ou contrariedade, faltando ao dever de amor ao próximo, experimentará reencarnações para corrigir suas imperfeições.

Desta maneira, compreende que o único caminho é ser indulgente com as fraquezas alheias, uma vez que sabe que no processo evolutivo contínuo e perpétuo, é, também, um Espírito imperfeito.

Quem desejar ser, e não somente parecer um ser humano de bem, precisa reconhecer que todos estão na Terra para evoluir moralmente e progredir intelectualmente, sendo que atingirá a meta somente quando não mais precisar reencarnar. Por isso, o exame é contínuo. Deve-se estudar as próprias imperfeições e trabalhar incessantemente para combatê-las.

Quem reconhece os próprios defeitos não sente prazer em identificar e apontar os defeitos alheios. Quando isso é necessário, é preciso procurar qual o bem que pode atenuar o mal feito.

Atingir o grau na escala espírita onde o indivíduo está possuido pela caridade e amor ao próximo é uma luta que exige empregar todos os esforços para ser melhor no dia seguinte, do que na véspera.

Reencarnados, ostentando as diversas posições sociais, gêneros de provas e pontos de vistas distintos, é preciso considerar o melhor estilo de vida. O Espiritismo ensina não se vangloriar como Espírito ou como ser humano às custas dos outros, bem como não se envaidecer com riqueza ou vantagens pessoais. Pois tudo é transitório.

Assim, é necessário usar e não abusar dos bens que possui, pois, se trata de um depósito cuja conta é prestada após a morte. Por isso é que não se deve empregar todo esse patrimônio emprestado para satisfação das paixões.

Toda ocasião é momento para ser útil. O verdadeiro homem de bem procura ser proveitoso aos outros. É assim que, como superior, exerce liderança e não chefia. Usa de tratamento bondoso e benevolente, pela razão de que todos são iguais perante Deus. A autoridade é melhor empregada para levantar o moral e não para esmagar com orgulho. É sempre possível amenizar a condição de subalternidade do outro. No caso do subordinado, há compreensão completa dos deveres da posição que ocupa e se empenha em cumprí-los conscienciosamente.

As qualidades morais (boas ou más) do ser humano expressam o caráter do Espírito nele encarnado. O homem de bem é um bom Espírito, enquanto que o vicioso é um Espírito imperfeito. Ninguém, todavia, está voltado para o mal eternamente, uma vez que esse estado é apenas por falta de conhecimento.

A preocupação principal do homem de bem é estudar as leis que regem o Espírito e as colocar em prática. Mas, há qualidades que podem fazer pensar que o seu detentor é homem de bem. Todavia, apesar de ser qualidades reais que mostram progresso, verifica-se que não suporta qualquer ataque ao interesse pessoal.

Uma das características do homem de bem é o completo desapego às coisas materiais. A elevação do Espírito que demonstra progresso real é observada quando ele põe em prática a Lei de Deus na vida corporal, antecipando a compreensão da vida espiritual.

2. FAMÍLIA

O Espírito que reencarna com vistas à evolução intelecto-moral é membro de uma família. Para bem se compreender e definir família, segundo o Espiritismo, é preciso saber quem somos, como vivemos e de onde viemos.

Julga-se bastante a matéria, mas, como visto, o ser humano de bem é aquele que busca compreender a vida espiritual. É preciso reconhecer essa verdade: o corpo procede do corpo, mas, o Espírito não procede do Espírito. Entre descendentes das etnias nada mais existe do que consaguinidade.

O Espírito é criação divina. O corpo humano é um instrumento. Portanto, antes da encarnação, no espaço, os Espíritos formam grupos ou famílias entrelaçadas pela afeição, simpatia e semelhança de inclinações. Por isso, eles se buscam reciprocamente.

A encarnação os separa momentaneamente, mas, ao voltarem ao mundo espiritual, novamente se reúnem como amigos que voltam de um viagem. Todavia, na reencarnação, é possível que constituam uma mesma família buscando o adiantamento mútuo.

Entre a família espiritual existe afeição real, de alma para alma, a qual NUNCA termina com a morte. Por outro lado, as afeições surgidas na matéria, corporais, dos sentidos ou, exclusivamente, por interesses, nada significam para os Espíritos. Entre famílias corporais poderão reencarnar Espíritos simpáticos ou não. Tudo depende do gênero de provas que devam experimentar para o progresso individual.

3. PÁTRIA

Finalmente, chegamos à ideia de pátria. E, para isso, vamos responder às indagações feitas no tópico família. Todos somos Espíritos, viemos do mundo espiritual e é para lá que retornaremos após a morte, pois, a alma é imortal e o processo evolutivo é perpétuo e contínuo.

O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo, conforme se depreende da Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita. O mundo espírita é o principal na ordem das coisas. O mundo físico poderia deixar de existir, poderia nunca ter existido e isso não altera a essência do mundo espírita. Ambos os mundos são independentes, pois cada um possui as leis naturais próprias que os rege. Há, contudo, uma incessante correlação e reação entre ambos, o que não desnaturaliza sua independência.

Por todo o exposto, é preciso ponderar e meditar com seriedade quando ousamos conceituar preconceituosamente homem de bem, família e pátria. É possível estar atraindo maiores responsabilidades que a suposição permita compreender.

Uberaba-MG, 20/10/2021.
Beto Ramos.

BIBLIOGRAFIA:
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.

MATERIAL DE APOIO:
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DESTAQUE DA SEMANA

A DOUTRINA DOS ESPÍRITOS NÃO É ASSUNTO QUE SE ESGOTA EM UMA PALESTRA

  EM SUAS VIAGENS KARDEC MINISTRAVA ENSINOS COMPLEMENTARES AOS QUE JÁ POSSUIAM CONHECIMENTO E ESTUDO PRÉVIO. Visitando a cidade Rochefort, n...